quarta-feira, julho 31, 2013

Ninguém meu amor



Ninguém meu amor
ninguém como nós conhece o sol
Podem utilizá-lo nos espelhos
apagar com ele
os barcos de papel dos nossos lagos
podem obrigá-lo a parar
à entrada das casas mais baixas
podem ainda fazer
com que a noite gravite
hoje do mesmo lado
Mas ninguém meu amor
ninguém como nós conhece o sol
Até que o sol degole
o horizonte em que um a um
nos deitam
vendando-nos os olhos.


Sebastião Alba

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segunda-feira, julho 29, 2013

***



Quando estás vestida,
Ninguém imagina
Os mundos que escondes
Sob as tuas roupas.

(Assim, quando é dia,
Não temos noção
Dos astros que luzem
No profundo céu.

Mas a noite é nua,
E, nua na noite,
Palpitam teus mundos
E os mundos da noite


Manuel Bandeira

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sábado, julho 27, 2013

***



Quando o amor acenar,
siga-o ainda que por caminhos
ásperos e íngremes.
Debulha-o até deixá-lo nu.
Transforma-o,
livrando-o de sua palha.
Tritura-o,
até torná-lo branco.
Amassa-o,
até deixá-lo macio;
e,então,submete ao fogo
para que se transforma em pão
para alimentar o corpo e o coração!


Khalil Gibran

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quinta-feira, julho 25, 2013

A noite chega com todos os seus rebanhos



Uma cidade amadurece nas vertentes do crepúsculo
Há um íman que nos atrai para o interior da montanha.
Os navios deslizam nos estuários do vento.
Alguma coisa ascende de uma região negra.
Alguém escreve sobre os espelhos da sombra.
A passageira da noite vacila como um ser silencioso.
O último pássaro calou-se.As estrelas acenderam-se.
As ondas adormeceram com as cores e as imagens.
As portas subterrâneas têm perfumes silvestres.
Que sedosa e fluida é a água desta noite!
Dir-se-ia que as pedras entendem os meus passos.
Alguém me habita como uma árvore ou um planeta.
Estou perto e estou longe no coração do mundo. 


António Ramos Rosa

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terça-feira, julho 23, 2013

Cântico



Num impudor de estátua ou de vencida,
coxas abertas, sem defesa... nua
ante a minha vigília, a noite, e a lua,
ela, agora, descansa, adormecida.

Dos seus mamilos roxo-azuis, em ferida,
meu olhar desce aonde o sexo estua.
Choro... e porquê? Meu sonho, irreal, flutua
sobre funduras e confins da vida.

Minhas lágrimas caem-lhe nos peitos...
enquanto o luar a numba, inerte, gasta
da ternura feroz do meu amplexo.

Cantam-me as veias poemas nunca feitos...
e eu pouso a boca, religiosa e casta,
sobre a flor esmagada do seu sexo. 


José Régio

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domingo, julho 21, 2013

Venho de dentro, abriu-se a porta...



Venho de dentro, abriu-se a porta:
nem todas as horas do dia e da noite
me darão para olhar de nascente
a poente e pelo meio as ilhas.

Há um jogo de relâmpagos sobre o mundo
de só imaginá-la a luz fulmina-me,
na outra face ainda é sombra

Banhos de sol
nas primeiras areias da manhã
Mansidões na pele e do labirinto só
a convulsa circunvolução do corpo.

Luiza Neto Jorge

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sexta-feira, julho 19, 2013

Matéria Solar-9


Outra vez o pátio vidrado da manhã.
Vais surgir e dizer: eu vi um barco.
Era quando aos lábios me chegava
a porosa argila doutros lábios.
Estava então a caminho de ser ave.

Eugénio de Andrade

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quarta-feira, julho 17, 2013

Os dias de verão


Os dias de verão vastos como um reino
Cintilantes de areia e maré lisa
Os quartos apuram seu fresco de penumbra
Irmão do lírio e da concha é o nosso corpo

Tempo é de repouso e de festa
O instante é completo como um fruto
Irmão do universo é o nosso corpo

O destino torna-se próximo de legível
Enquanto no terraço fitamos o alto enigma familiar dos astros
Que em sua imóvel mobilidade nos conduzem

Como se em tudo aflorasse eternidade

Justa é a forma do nosso corpo

Sophia de Mello Breyner Andresen

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segunda-feira, julho 15, 2013

Matéria Solar-12

Tocar-te a pele
o pulso aberto
ao gume do olhar.

Que seja essa
a casa, a estrela
do primeiro dia.

Rosa inflamável,
boca do ar.

Eugénio de Andrade

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sábado, julho 13, 2013

O gato



Com um lindo salto
Lesto e seguro
O gato passa
Do chão ao muro
Logo mudando
De opinião
Passa de novo
Do muro ao chão
E pega corre
Bem de mansinho
Atrás de um pobre
De um passarinho
Súbito, pára
Como assombrado
Depois dispara
Pula de lado
E quando tudo
Se lhe fatiga
Toma o seu banho
Passando a língua
Pela barriga.

Vinícius de Moraes

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quinta-feira, julho 11, 2013

***



Quando eu morrer voltarei para buscar 
os instantes que não vivi junto do mar


Sophia de Mello Breyner Andresen

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terça-feira, julho 09, 2013

Março voltou

Março voltou, esta
ácida loucura de pássaros
está outra vez à nossa porta,
o ar
de vidro vai direito ao coração.
Também elas cantam, as montanhas:
somente nenhum de nós
as ouve, distraídos
 com o monótono silabar do vento
ou doutros peregrinos.
Já sabeis como temos ainda restos
de pudor.
 e pelo mundo
uma enorme, enorme indiferença.

Eugénio de Andrade

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domingo, julho 07, 2013

Declives


O  ar                                    passa
a  t  r  a  v  é  s     d  a  s     p  a  l  a  v  r  a  s

António Ramos Rosa

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sexta-feira, julho 05, 2013

There is a light that never goes out *

Em ramos
de pinheiro-manso
o sol demora-se

a luz, uma voz branca
igual ao latir dos cães
que nos chega

imperceptível
cheiro a jasmim
pela janela alma
estendida ao silêncio

como Tu
apenas

Mazzy Star

Mário Rui de Oliveira

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quarta-feira, julho 03, 2013

Sem ti



E de súbito desaba o silêncio.
É um silêncio sem ti,
sem álamos,
sem luas.

Só nas minhas mãos
ouço a música das tuas.


Eugénio de Andrade

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segunda-feira, julho 01, 2013

Inicial



O mar azul e branco e as luzidias
Pedras: O arfado espaço
Onde o que está lavado se relava
Para o rito do espanto e do começo
Onde sou a mim mesma devolvida
Em sal espuma e concha regressada
À praia inicial da minha vida

Sophia de Mello Breyner Andresen


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