quinta-feira, novembro 29, 2012

Amor



Amor, amor, amor, como não amam
os que de amor o amor de amar não sabem
como não amam se de amor não pensam
os que amar o amor de amar não gozam.
Amor, amor, nenhum amor, nenhum
em vez do sempre amar que o gesto prende
o olhar ao corpo que perpassa amante
e não será de amor se outro não for
que novamente passe como amor que é novo.
Não se ama o que se tem nem se deseja
o que não temos nesse amor que amamos
mas só amamos quando amamos ao acto
em que de amor o amor de amar se cumpre.
Amor, amor, nem antes, nem depois,
amor que não possui, amor que não se dá,
amor que dura apenas sem palavras tudo
o que no sexo é o sexo só por si amado.
Amor de amor de amar de amor tranquilamente
o oleoso repetir das carnes que se roçam
até ao instante em que paradas tremem
de ansioso terminar o amor que recomeça.
Amor, amor, amor, como não amam
os que de amar o amor de amar não amam.
Jorge de Sena
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terça-feira, novembro 27, 2012

Sentenças delirantes dum poeta para si próprio em tempo de cabeças pensantes



1
Não te ataques com os atacadores dos outros.
Deixa a cada sapato a sua marcha e a sua direcção.
0 mesmo deves fazer com os açaimos.
E com os botões.

2
Não te candidates, nem te demitas. Assiste.
Mas não penses que vais rir impunemente a sessão inteira.
Em todo o caso fica o mais perto possível da coxia.

3
Tira as rodas ao peixe congelado,
mas sempre na tua mão.

Depois, faz um berreiro.
Quando tiveres bastante gente à tua volta,
descongela a posta e oferece um bocado a cada um.

4
Não te arrimes tanto à ideia de que haverá sempre
um caixote com serradura à tua espera.
Pode haver. Se houver, melhor...

Esta deve ser a tua filosofia.

5
Tudo tem os seus trâmites, meu filho!
Não faças brincos de cerejas
sem te darem, primeiro, as orelhas.

Era bom que esta fosse, de facto, a tua filosofia.

6
Perguntas-me o que deves fazer com a pedra que
te puseram em cima da cabeça?
Não penses no que fazer com. Cuida no que fazer da.

É provável que te sintas logo muito melhor.

Sai, então, de baixo da pedra.

7
Onde houver obras públicas não deponhas a tua obra.
Poderias atrapalhar os trabalhos.
Os de pedra sobre pedra, entenda-se.

Mas dá sempre um "Bom dia!" ao pessoal do estaleiro.
Uma palavra é, às vezes, a melhor argamassa.

8
Deves praticar os jogos de palavras, mas sempre
com a modéstia do cientista que enxertou em si mesmo
a perna da rã, e que enquanto não coaxa, coxeia.
Oxalá o consigas!

(...)

11
Resume todas estas sentenças delirantes numa única
sentença:
Um escritor deve poder mostrar sempre a língua portuguesa

 Alexandre O'Neill

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domingo, novembro 25, 2012

sexta-feira, novembro 23, 2012

Crepuscular



A incerteza cai com a tarde
no limite da praia. Um pássaro
apanhou-a, como se fosse
um peixe, e sobrevoa as dunas
levando-a no bico. O
seu desenho é nítido, sem
as sombras da dúvida ou
as manchas indecisas da
angústia. Termina com a
interrogação, os traços do fim,
o recorte branco de ondas
na maré baixa. Subo a estrofe
até apanhar esse pássaro
com o verso, prendo-o à frase,
para que as suas asas deixem
de bater e o bico se abra. Então,
a incerteza cai-me na página, e
arrasta-se pelo poema, até
me escorrer pelos dedos para
dentro da própria alma.


Nuno Júdice

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quarta-feira, novembro 21, 2012

Retrato Ardente



No teu peito
é que o pólen do fogo
se junta à nascente,
alastra na sombra. 

Nos teus flancos
é que a fonte começa
a ser rio de abelhas,
rumor de tigre. 

Da cintura aos joelhos
é que a areia queima,
o sol é secreto,
cego o silêncio. 

Deita-te comigo.
Ilumina meus vidros.
Entre lábios e lábios
toda a música é minha


Eugénio de Andrade

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segunda-feira, novembro 19, 2012

Bastava-nos amar. E não bastava


Bastava-nos amar. E não bastava
          o mar. E o corpo? O corpo que se enleia?
O vento como um barco: a navegar.
Pelo mar. Por um rio ou uma veia.

Bastava-nos ficar. E não bastava
o mar a querer doer em cada ideia.
Já não bastava olhar. Urgente: amar.
E ficar. E fazermos uma teia.

Respirar. Respirar. Até que o mar
pudesse ser amor em maré cheia.
E bastava. Bastava respirar

a tua pele molhada de sereia.
Bastava, sim, encher o peito de ar.
Fazer amor contigo sobre a areia.
Joaquim Pessoa 

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sábado, novembro 17, 2012

Outono


Uma lâmina de ar
Atravessando as portas. Um arco,
Uma flecha cravada no outono. E a canção
Que fala das pessoas. Do rosto e dos lábios das pessoas.
E um velho marinheiro, grave, rangendo o cachimbo como
Uma amarra. À espera do mar. Esperando o silêncio.
É outono. Uma mulher de botas atravessa-me a tristeza
Quando saio para a rua, molhado, como um pássaro.
Vêm de muito longe as minhas palavras, quem sabe se
Da minha revolta última. Ou do teu nome que repito.
Hoje há soldados, eléctricos. Uma parede
Cumprimenta o sol. Procura-se viver.
Vive-se, de resto, em todas as ruas, nos bares e nos cinemas.
Há homens e mulheres que compram o jornal e amam-se
Como se, de repente, não houvesse mais nada senão
A imperiosa ordem de (se) amarem.
Há em mim uma ternura desmedida pelas palavras.
Não há palavras que descrevam a loucura, o medo, os sentidos.
Não há um nome para a tua ausência. Há um muro
Que os meus olhos derrubam. Um estranho vinho
Que a minha boca recusa. É outono.
A pouco a pouco despem-se as palavras.

Joaquim Pessoa 

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sexta-feira, novembro 16, 2012

Parabéns Observador:)

O Observador hoje faz anitos, por isso nada como cantar-lhe os parabéns:)



Para o seu nick arranjei esta imagem:



Festeja bem o dia, amigo virtual:)




quinta-feira, novembro 15, 2012

Lisa says



"Os ausentes
enchem as noites de silêncio."

Manuel Filipe, in"Via de Curetes", pág.14, Edição do Autor

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quarta-feira, novembro 14, 2012

terça-feira, novembro 13, 2012

Credo



Foi abandonado na terra
para aprender a andar sobre as águas
como certo deus menor.

Conheceu a imperfeição,
a penosa tristeza dos homens
e as múltiplas formas de viver na angústia.

Não estava preparado.
Obrigou-se a crer na ressurreição da carne,
talvez à terceira noite.

Manuel Filipe, in "Via de Curetes", pág.61, Edição de Autor

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segunda-feira, novembro 12, 2012

Meio-dia



Meio-dia. Um canto da praia sem ninguém.
O sol no alto, fundo, enorme, aberto,
Tornou o céu de todo o deus deserto.
A luz cai implacável como um castigo.
Não há fantasmas nem almas,
E o mar imenso solitário e antigo
Parece bater palmas.


Sophia de Mello Breyner Andersen

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domingo, novembro 11, 2012

Nocturno com flores



(...)

sem as cores propriamente
do jardim a seus pés
a Lua insolvente
espreita de revés
o vermelho estridente
do canteiro de aloés

(...)

Manuel Filipe, in"Via de Curetes", pág.59, Edição do Autor~

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sexta-feira, novembro 09, 2012

Estranhamente



Transmitimos o desprezo
através de uma língua obscura
que faz crescer o silêncio

e por sua vez o silêncio propaga-se
nesse mais que obscuro desprezo
que tantas vezes nos detém a língua,

mas a poesia
obscura língua desprezada
nasce estranhamente do silêncio.

Manuel Filipe, in"Via de Curetes", pág. 49, Edição do Autor

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quinta-feira, novembro 08, 2012

Domingo


Quando chega domingo,
faço tenção de todas as coisas mais belas
que um homem pode fazer na vida.
Há quem vá para o pé das águas
deitar-se na areia e não pensar…
E há os que vão para o campo
cheios de grandes sentimentos bucólicos
porque leram, de véspera, no boletim do jornal:
«Bom tempo para amanhã»…
Mas uma maioria sai para as ruas pedindo,
pois nesse dia
aqueles que passeiam com a mulher e os filhos
são mais generosos.
Um rapaz que era pintor
não disse nada a ninguém
e escolheu o domingo para se matar.
Ainda hoje a família e os amigos
andam pensando porque seria.
Só não relacionam que se matou num domingo!
Mariazinha Santos
(aquela que um dia se quis entregar,
que era o que a família desejava,
para que o seu futuro ficasse resolvido),
Mariazinha Santos
quando chega domingo,
vai com uma amiga para o cinema.
Deixa que lhe apalpem as coxas
e abafa os suspiros mordendo um lencinho que sua mãe lhe bordou,
quando ela era ainda muito menina…
Para eu contar isto
é que conheço todas as horas que fazem um dia de domingo!
À hora negra das noites frias e longas
sei duma hora numa escada
onde uma velha põe sua neta
e vem sorrir aos homens que passam!
E a costureirinha mais honesta que eu namorei
vendeu a virgindade num domingo
— porque é o dia em que estão fechadas as casas de penhores!
Há mais amargura nisto
que em toda a História das Guerras.
Partindo deste princípio,
que os economistas desconhecem ou fingem desconhecer,
eu podia destruir esta civilização capitalista, que inventou o domingo.
E esta era uma das coisas mais belas
que um homem podia fazer na vida!
Então,
todas as raparigas amariam no tempo próprio
e tudo seria natural
sem mendigos nas ruas nem casas de penhores…
Penso isto, e vou a grandes passadas…
E um domingo parei numa praça
e pus-me a gritar o que sentia.
mas todos acharam estranhos os meus modos
e estranha a minha voz…
Mariazinha Santos foi para o cinema
e outras menearam as ancas
— ao sol como num ritual consagrado a um deus! —
até chegar o homem bem-amado entre todos
com uma nota de cem na mão estendida…
Venha a miséria maior que todas
secar o último restolho de moral que em mim resta;
e eu fique rude como o deserto
e agreste como o recorte das altas serras;
venha a ânsia do peito para os braços!
E vou a grandes passadas
como um louco maior que a sua loucura…
O rapaz que era pintor
aconchegou-se sobre a linha férrea
para que a morte o desfigurasse
e o seu corpo anónimo fosse uma bandeira trágica
de revolta contra o mundo.
Mas como o rosto lhe estava intacto
vai a família ao necrotério e ficou aterrada!
Conheci-o numa noite de bebedeira
e acho tudo aquilo natural.
A costureirinha que eu namorei
deixava-se ir para as ruas escuras
sem nenhum receio.
Uma vez que chovia até entrámos numa escada.
Somente sequer um beijo trocámos…
E isto porque no momento próprio
olhava para mim com um propósito tão sereno
que eu, que dela só desejava o corpo bem feito
me punha a observar o outro aspecto do seu rosto,
que era aquela serenidade
de pessoa que tem a vida cheia e inteira.
No entanto, ela nunca pôs obstáculo
que nesse instante as minhas mãos segurassem as suas.
Hoje encontramo-nos aí pelos cafés…
(ela está sempre com sujeitos decentes)
e quando nos fitamos nos olhos.
bem lá no fundo dos olhos,
eu que sou homem nascido
para fazer as coisas mais heróicas da vida
viro a cabeça para o lado e digo:
— rapaz, traz-me um café…
O meu amigo, que era pintor,
contou-me numa noite de bebedeira:
— Olha, quando chega domingo,
não há nada melhor que ir para o futebol…
E como os olhos se me enevoassem de água,
continuou com uma voz
que deve ser igual à que se ouve nos sonhos:
— …. no entanto, conheço um homem
que ia para a beira do rio
e passava um dia inteirinho de domingo
segurando uma cana donde caia um fio para a água…
… um dia pescou um peixe,
e nunca mais lá voltou…
O pior é pensar:
que hei-de fazer hoje, que toda a gente anda alegre
como se fosse uma festa?…
O rapaz que era pintor sabia uma ciência rara,
tão rara e certa e maravilhosa
que deslumbrado se matou.
Pago o café e saio a grandes passadas.
Hoje e depois e todos os dias que vierem,
amo a vida mais e mais
que aqueles que sabem que vão morrer amanhã!
Mariazinha Santos,
que vá para o cinema morder o lencinho que sua mãe lhe bordou…
E os senhores serenos, acompanhados da mulher e dos filhos,
que parem ao sol
e joguem um tostão na mão dos pedintes…
E a menina das horas longas e frias
continue pela mão de sua avó…
E tu, que só andas com cavalheiros decentes,
ó costureirinha honesta que eu namorei um dia,
fita-me bem no fundo dos olhos,
fita-me bem no fundo dos olhos!
Então,
virá a miséria maior que todas
secar o último restolho de moral que em mim resta;
e eu ficarei rude como o deserto
e agreste como o recorte das altas serras:
e virá a ânsia do peito para os braços!
Domingo que vem,
eu vou fazer as coisas mais belas
que um homem pode fazer na vida!
Manuel da Fonseca, retirado da Eli
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quarta-feira, novembro 07, 2012

Um regato



(...)

estreito e temeroso
no escuro e às cegas
o caminho das águas
entre avencas e canas
revela-se apenas
no rolar luminoso
das pedras mais pequenas

(...)

Manuel Filipe, in"Via de Curetes", pág. 54, Edição do Autor

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terça-feira, novembro 06, 2012

segunda-feira, novembro 05, 2012

agosto 31 18:30



nem azul
imensa e cor de madrepérola
                                a lua
              despida de amores
perdoa o lugar-comum
                             e baila
além da minha janela

Márcia Maia

Foto: Eli

sábado, novembro 03, 2012

A parte do anjo



Bebeste-me de um trago
ou pausadamente
como quem testemunha um desastre?

As flores  suadas que outrora
pontuavam a fita do teu rosto
arrepanham-se agora inférteis.

Deves regá-las delicadamente
como era hábito fazer às madeiras fúteis
onde os corpos reabilitavam a sede.

Ornatos, nichos reservados aos olhos
mais fulgentes, de tudo isso guardo
apenas o sumo demorado da pele.

Bebeste-me de um trago,
perguntei, ou pausadamente
como quem se evapora de si?

Vasco Gato, in"Este é o Meu Sangue", pág.21, Tea For One, 2012

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quinta-feira, novembro 01, 2012

As quatro estações



Vem o Inverno com o seu carrinho do frio
a apertar nas curvas; a Primavera e os seus
paroxismos que não duram muito; o Verão
e os seus langores de ainda menos; e por fim,
mas também pode ser no meio ou no princípio,
lá vens tu, que não falhas nunca, melancólico
e misericordioso Outono, a estenderes-me a taça
de vinho puro que eu bebo lenta e gravemente
com aquela lentidão, aquela gravidade característica
dos que não têm religião nenhuma, ou têm apenas essa.

Rui Caeiro, in"Este é o Meu Sangue", pág.20, Tea For One, 2012

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