sexta-feira, abril 30, 2010

Amo tracinho te



«Quando pela primeira vez escrevi amote fui repreendida pela gramática Não quis saber Tinha-te mais comigo assim numa palavra só
Quando pela primeira vez soletrei a-mo-te desfiz-te em pedaços mas com pressa e gula te comi inteiro te reuni em mim
Quando pela primeira vez nos começámos a separar respeitei a ortografia e sem dar por isso separei-te de mim : amo tracinho te
Quando pela primeira vez nos re-unimos melancolicamente soletrei a-ma-me como quem esbagulha uma romã
Quando pela primeira vez me disseste amo tracinho te tudo estava certo e solitário eu separada de ti por um pântano de ninguém tu à distância sem mim sem barco e sem vontade Esbracejei não me quis conformar Acenei-te gritei-te de longe Amasme? numa palavra só furiosamente só a dois de braços estendidos a lutar contra os ventos separadores da ortografia e do alto mar Respondeste gritaste claro que te amo te amo
te
amo
escandiam os ventos e o eco em duas palavras separadas
Entre mim e ti o pântano crescia depois secou depois a crosta terrestre desfez-se e refez-se e houve outros novos mares e continentes e tudo ficou então provisoriamente definitivo e adulto reconciliado com a geografia e a gramática : eu tu solidamente sós
amas tracinho me?
amo tracinho te
é claro!»

Teresa Rita Lopes

Imagem retirada do Google

4 comentários:

polittikus disse...

Simplesmente, brutal...
Adorei, este texto.

Paula Raposo disse...

Fantástico! Adorei.
Beijos, Isabel.

Fatyly disse...

Fabulosamente bem escrito. Adorei:)

Beijocas e uma boa tarde

Luis Neves disse...

:)
Giro, muito giro ,
vou pôr em outro blog ...

Luis