sexta-feira, novembro 30, 2007

Recolhido a sós



Recolhido a sós, no silêncio dos astros,
absolutamente nada pertubará a noite,
parado o tempo, despojado o pensamento,
Nem um só tremor agitará o seu vazio.

Eu queria que o instante demorasse horas,
que meus olhos se queimassem
com o fogo das estrelas.

Manuel Filipe, in "Tempo de Cinza", pág.63, Apenas Livros

Foto:Steve Bingham

Prémio Amizade

A Gi ofereceu a todos os seus comentadores e leitores o Prémio Amizade.

Como faço parte desse leque de pessoas, não me faço de rogada e aqui está ele:



Pela minha parte passo-o também a quem me comenta e a quem não comenta, mas lê:)

Obrigada;)

Pra rua me levar-Ana Carolina e Seu Jorge




Não vou viver, como alguém que só espera um novo amor
Há outras coisas no caminho aonde eu vou
As vezes ando só, trocando passos com a solidão
Momentos que são meus e que não abro mão

Já sei olhar o rio por onde a vida passa
Sem me precipitar e nem perder a hora
Escuto no silêncio que há em mim e basta
Outro tempo começou pra mim agora

Vou deixar a rua me levar
Ver a cidade se acender
A lua vai banhar esse lugar
E eu vou lembrar você

É... mas tenho ainda muita coisa pra arrumar
Promessas que me fiz e que ainda não cumpri
Palavras me aguardam o tempo exato pra falar
Coisas minhas, talvez você nem queira ouvir.

Refrão

Ana Carolina / Totonho Villeroy



Foto:John Peri

quinta-feira, novembro 29, 2007

Foda-se (Adaptado)-Recebido por email



O nível de stress de uma pessoa é inversamente proporcional à
quantidade de "foda-se!" que ela diz.
Existe algo mais libertário do que o conceito do "foda-se!"?
O "foda-se!" aumenta a minha auto-estima, torna-me uma
pessoa melhor.
Reorganiza as coisas. Liberta-me.
"Não quer sair comigo?! - então, foda-se!"
"Vai querer mesmo decidir essa merda sozinho(a)?! - então,
foda-se!"
O direito ao "foda-se!" deveria estar assegurado na Constituição.
Os palavrões não nasceram por acaso. São recursos
extremamente válidos e criativos para dotar o nosso vocabulário
de expressões que traduzem com a maior fidelidade os nossos
mais fortes e genuínos sentimentos. É o povo a fazer a sua
língua. Como o Latim Vulgar, será esse Português Vulgar que
vingará plenamente um dia.
"Comó caralho", por exemplo. Que expressão traduz melhor a
ideia de muita quantidade que "comó caralho"?
"Comó caralho" tende para o infinito, é quase uma expressão
matemática.
A Via Láctea tem estrelas comó caralho!
O Sol está quente comó caralho!
O universo é antigo comó caralho!
Eu gosto do meu clube comó caralho!
O gajo é parvo comó caralho!
Entendes?
No género do "comó caralho", mas, no caso, expressando a
mais absoluta negação, está o famoso "nem que te fodas!".
Nem o "Não, não e não!" e tão pouco o nada eficaz e já sem
nenhuma credibilidade "Não, nem pensar!" o substituem.
O "nem que te fodas!" é irretorquível e liquida o assunto.
Liberta-te, com a consciência tranquila, para outras actividades
de maior interesse na tua vida.
Aquele filho pintelho de 17 anos atormenta-te pedindo o carro
para ir surfar na praia? Não percas tempo nem paciência.
Solta logo um definitivo:
"Huguinho, presta atenção, filho querido, nem que te fodas!".
O impertinente aprende logo a lição e vai para o Centro
Comercial encontrar-se com os amigos, sem qualquer problema,
e tu fechas os olhos e voltas a curtir o CD (...)
Há outros palavrões igualmente clássicos.
Pense na sonoridade de um "Puta que pariu!", ou o seu
correlativo "Pu-ta-que-o-pa-riu!", falado assim, cadenciadamente,
sílaba por sílaba.
Diante de uma notícia irritante, qualquer "puta-que-o-pariu!", dito
assim, põe-te outra vez nos eixos.
Os teus neurónios têm o devido tempo e clima para se
reorganizarem e encontrarem a atitude que te permitirá dar um
merecido troco ou livrares-te de maiores dores de cabeça.
E o que dizer do nosso famoso "vai levar no cu!"? E a sua
maravilhosa e reforçadora derivação "vai levar no olho do cu!"?
Já imaginaste o bem que alguém faz a si próprio e aos seus
quando, passado o limite do suportável, se dirige ao canalha de
seu interlocutor e solta:
"Chega! Vai levar no olho do cu!"?
Pronto, tu retomaste as rédeas da tua vida, a tua auto-estima.
Desabotoas a camisa e sais à rua, vento batendo na face, olhar
firme, cabeça erguida, um delicioso sorriso de vitória e renovado
amor-íntimo nos lábios.
E seria tremendamente injusto não registar aqui a expressão de
maior poder de definição do Português Vulgar: "Fodeu-se!". E a
sua derivação, mais avassaladora ainda: "Já se fodeu!".
Conheces definição mais exacta, pungente e arrasadora para
uma situação que atingiu o grau máximo imaginável de
ameaçadora complicação?
Expressão, inclusivé, que uma vez proferida insere o seu autor
num providencial contexto interior de alerta e auto-defesa. Algo
assim como quando estás a sem documentos do carro, sem
carta de condução e ouves uma sirene de polícia atrás de ti a
mandar-te parar. O que dizes? "Já me fodi!"
Ou quando te apercebes que és de um país em que quase nada
funciona, o desemprego não baixa, os impostos são altos, a
saúde, a educação e … a justiça são de baixa qualidade, os
empresários são de pouca qualidade e procuram o lucro fácil e
em pouco tempo, as reformas têm que baixar, o tempo para a
desejada reforma tem que aumentar … tu pensas "Já me fodi!"
Então:
Liberdade,
Igualdade,
Fraternidade
e
foda-se!!!
Mas não desespere:
Este país … ainda vai ser "um país do caralho!"
Atente no que lhe digo!

Millôr Fernandes

Foto:Gianni Candido

PS:Desculpem os palavrões, mas este texto está actualíssimo.

Rebeldia



Soltem-me
as algemas

Quero
a minha alma livre
meu corpo livre
meu pensamento livre

Esbofetear o mundo
e cuspir
na vida.

Manuela Amaral

Foto:Elena Vasilieva

Amizade

Como costumo dizer a amizade não é feita só de palavras, age-se!

A provar essa minha teoria, enquanto estive ausente e noutro sítio com acesso restrito à net, (só 10 minutos, o tempo de responder a mails pessoais e editar algo), 2 pessoas pediram a minha morada para me enviarem uma "prenda".

Começo pelo Henrique Sousa, que me mandou o seu livro:



e seguidamente a querida Fatyly, que me ofereceu esta toalha, da qual destaquei aqui um pormenor:



Mais fotos da toalha podem ser vistas no Words.

Agradeço também a três pessoas que sempre me mandaram mails a encorajar, não vou mencioná-las, elas sabem quem são.

Por tudo isto dedico-vos esta música cantada pela Divina Elis Regina, mas da autoria de Milton Nascimento:)



Amigo é coisa para se guardar
De baixo de sete chaves
Dentro do coração
Assim falava a canção que na américa ouvi
Mas quem cantava chorou
Ao ver o seu amigo partir

Mas quem ficou, no pensamento voou
Com seu canto que o outro lembrou
E quem voou, no pensamento ficou
Com a lembrança que o outro cantou

Amigo é coisa para se guardar
No lado esquerdo do peito
Mesmo que o tempo e a distância digam não
Mesmo esquecendo a canção
O que importa é ouvir
A voz que vem do coração

Pois seja o que vier, venha o que vier
Qualquer dia, amigo, eu volto
A te encontrar
Qualquer dia, amigo, a gente vai se encontrar.

Teresinha



O primeiro me chegou
Como quem vem do florista
Trouxe um bicho de pelúcia
Trouxe um broche de ametista
Me contou suas viagens
E as vantagens que ele tinha
Me mostrou o seu relógio
Me chamava de rainha
Me encontrou tão desarmada
Que tocou meu coração
Mas não me negava nada
E, assustada, eu disse não

O segundo me chegou
Como quem chega do bar
Trouxe um litro de aguardente
Tão amarga de tragar
Indagou o meu passado
E cheirou minha comida
Vasculhou minha gaveta
Me chamava de perdida
Me encontrou tão desarmada
Que arranhou meu coração
Mas não me entregava nada
E, assustada, eu disse não

O terceiro me chegou
Como quem chega do nada
Ele não me trouxe nada
Também nada perguntou
Mal sei como ele se chama
Mas entendo o que ele quer
Se deitou na minha cama
E me chama de mulher
Foi chegando sorrateiro
E antes que eu dissesse não
Se instalou feito um posseiro
Dentro do meu coração

Chico Buarque

Foto:Gianni Candido

quarta-feira, novembro 28, 2007

A moça mostrava a coxa



A moça mostrava a coxa,
a moça mostrava a nádega,
só não mostrava aquilo
– concha, berilo, esmeralda –
que se entreabre, quatrifólio,
e encerrra o gozo mais lauto,
aquela zona hiperbórea,
misto de mel e de asfalto,
porta hermética nos gonzos
de zonzos sentidos presos,
ara sem sangue de ofícios,
a moça não me mostrava.
E torturando-me, e virgem
no desvairado recato
que sucedia de chofre
á visão dos seios claros,
qua pulcra rosa preta
como que se enovelava,
crespa, intata, inacessível,
abre-que-fecha-que-foge,
e a fêmea, rindo, negava
o que eu tanto lhe pedia,
o que devia ser dado
e mais que dado, comido.
Ai, que a moça me matava
tornando-me assim a vida
esperança consumida
no que, sombrio, faiscava.
Roçava-lhe a perna. Os dedos
descobriam-lhe segredos
lentos, curvos, animais,
porém o maximo arcano,
o todo esquivo, noturno,
a tríplice chave de urna,
essa a louca sonegava,
não me daria nem nada.
Antes nunca me acenasse.
Viver não tinha propósito,
andar perdera o sentido,
o tempo não desatava
nem vinha a morte render-me
ao luzir da estrela-dalva,
que nessa hora já primeira,
violento, subia o enjoo
de fera presa no Zôo.
Como lhe sabia a pele,
em seu côncavo e convexo,
em seu poro, em seu dourado
pêlo de ventre! mas sexo
era segredo de Estado.
Como a carne lhe sabia
a campo frio, orvalhado,
onde uma cobra desperta
vai traçando seu desenho
num frêmito, lado a lado!
Mas que perfume teria
a gruta invisa? que visgo,
que estreitura, que doçume,
que linha prístina, pura,
me chamava, me fugia?
Tudo a bela me ofertava,
e que eu beijasse ou mordesse,
fizesse sangue: fazia.
Mas seu púbis recusava.
Na noite acesa, no dia,
sua coxa se cerrava.
Na praia, na ventania,
quando mais eu insistia,
sua coxa se apertava.
Na mais erma hospedaria
fechada por dentro a aldrava,
sua coxa se selava,
se encerrava, se salvava,
e quem disse que eu podia
fazer dela minha escrava?
De tanto esperar, porfia
sem vislumbre de vitória,
já seu corpo se delia,
já se empana sua glória,
já sou diverso daquele
que por dentro se rasgava,
e não sei agora ao certo
se minha sede mais brava
era nela que pousava.
Outras fontes, outras fomes,
outros flancos: vasto mundo,
e o esquecimento no fundo.
Talvez que a moça hoje em dia...
Talvez. O certo é que nunca.
E se tanto se furtara
com tais fugas e arabescos
e tão surda teimosia,
por que hoje se abriria?
Por que viria ofertar-me
quando a noite já vai fria,
sua nívea rosa preta
nunca por mim visitada,
inacessível naveta?
Ou nem teria naveta...

Carlos Drummond de Andrade

Foto:Alexander Levin

Frases



Cidade grande: dias sem pássaros, noites sem estrelas.

Mário Quintana, "Esvaziamento"

Frase vista na Eli, onde a boa poesia e as suas belas fotos imperam:)

Foto:Yuri Bonder

Ao longo da muralha



Ao longo da muralha que habitamos
Há palavras de vida há palavras de morte
Há palavras imensas,que esperam por nós
E outras frágeis,que deixaram de esperar
Há palavras acesas como barcos
E há palavras homens,palavras que guardam
O seu segredo e a sua posição

Entre nós e as palavras,surdamente,
As mãos e as paredes de Elsenor

E há palavras e nocturnas palavras gemidos
Palavras que nos sobem ilegíveis à boca
Palavras diamantes palavras nunca escritas
Palavras impossíveis de escrever
Por não termos connosco cordas de violinos
Nem todo o sangue do mundo nem todo o amplexo do ar
E os braços dos amantes escrevem muito alto
Muito além da azul onde oxidados morrem
Palavras maternais só sombra só soluço
Só espasmos só amor só solidão desfeita

Entre nós e as palavras, os emparedados
E entre nós e as palavras, o nosso dever falar.

Mário Cesariny

Foto:Yuri Bonder

Peter Gabriel & Kate Bush - Don't Give Up



Esta música é linda.

Podem ver se quiserem uma péssima tradução em brasileiro aqui, mas o que conta é a intenção.



Imagem daqui

Destino



Quem disse à estrela o caminho
Que ela há-de seguir no céu?
A fabricar o seu ninho
Como é que a ave aprendeu?
Quem diz à planta
E ao mudo verme que tece
Sua mortalha de seda
Os fios quem lhos enreda?

Ensinou alguém à abelha
Que no prado anda a zumbir
Se à flor branca ou à vermelha
O seu mel há-de ir pedir?

Que eras tu meu ser, querida,
Teus olhos a minha vida,
Teu amor todo o meu bem...
Ai! não mo disse ninguém.
Como a abelha corre ao prado,
Como no céu gira a estrela,
Como a todo o ente o seu fado
Por instinto se revela,
Eu no teu seio divino
Vim cumprir o meu destino...
Vim, que em ti só sei viver,
Só por ti posso morrer.

Almeida Garrett

Foto:Roman Serenko

terça-feira, novembro 27, 2007

Nomeei-te no meio dos meus sonhos



Nomeei-te no meio dos meus sonhos
chamei por ti na minha solidão
troquei o céu azul pelos teus olhos
e o meu sólido chão pelo teu amor.

Ruy Belo

Foto:Howard Schatz

Sublime



Recebi por email em wmv e tive de vir procurar no youtube.

Estou sem palavras, vejo e revejo os movimentos dele, dela e dos dois.

Desafio



Mais um desafio proposto pela Fatyly a quem não consigo negar nada :)

-Consiste em listar 10 factos não anteriormente mencionados neste blog.

1- Detesto ir às compras

2- Leio sempre o fim dos livros quando os adquiro.

3- Observo inconscientemente as pessoas, porque treinei isso desde adolescente quando andava de transportes.

4- Adoro tomar duche e colocar o meu perfume.

5- Detesto gente que come com as mãos.

6- Não gosto de "Novos-Ricos".

7- Adoro ser do contra para me darem "luta" intelectual.

8- Sou politicamente incorrecta.

9- Gosto do meu trabalho.

10- Gosto tanto da Fatyly, que se não fosse ela não estava a fazer isto:)

Desta vez que me perdoem os outros, mas vou "passar a bola" a:

Paula Raposo

Gi

Papagueno

Isabel F

Jorge

Consolo na Praia



Vamos, não chores
A infância está perdida.
A mocidade está perdida.
Mas a vida não se perdeu.

O primeiro amor passou.
O segundo amor passou.
O terceiro amor passou.
Mas o coração continua.

Perdeste o melhor amigo.
Não tentaste qualquer viagem.
Não possuis casa, navio, terra.
Mas tens um cão.

Algumas palavras duras,
em voz mansa, te golpearam.
Nunca, nunca cicatrizam.
Mas, e o humor?

A injustiça não se resolve.
À sombra do mundo errado
murmuraste um protesto tímido.
Mas virão outros.

Tudo somado, devias
precipitar-te _ de vez _ nas águas.
Estás nu na areia, no vento...
Dorme, meu filho.

Carlos Drummond de Andrade

Foto:José Marafona

segunda-feira, novembro 26, 2007

Mário Cesariny



Logo eu que adoro Mário Cesariny como poeta surrealista e rebelde, esqueci que faz hoje um ano que desapareceu fisicamente.

Mas o Papagueno fez-lhe uma magnífica homenagem, como poderão ver aqui.

Tela:Mário Cesariny

Women In Film



Belíssimo vídeo das mulheres na arte dos filmes.

Visto na Gi, para variar:-)

Soneto



Fecham-se os dedos donde corre a esperança,
Toldam-se os olhos donde corre a vida.
Porquê esperar, porquê, se não se alcança
Mais do que a angústia que nos é devida?

Antes aproveitar a nossa herança
De intenções e palavras proibidas.
Antes rirmos do anjo, cuja lança
Nos expulsa da terra prometida.

Antes sofrer a raiva e o sarcasmo,
Antes o olhar que peca, a mão que rouba,
O gesto que estrangula, a voz que grita.

Antes viver do que morrer no pasmo
Do nada que nos surge e nos devora,
Do monstro que inventámos e nos fita.

Ary dos Santos

Foto:Elena Vasilieva

PS:O Soneto é repetido, mas apeteceu-me:)

Moto-contínuo



Eu não sabia o que fazer e abri a blusa
mais tarde eu ia dizer foi sem pensar
ele me achou desnorteada, confusa
como acharia qualquer mulher que abre a blusa
e faz tudo que fiz só pra agradar

Minha cabeça não era mesmo muito certa
mulher esperta eu nunca fui, mas deveria
saber me colocar no meu lugar
não adiantava nada, eu era assim desatinada
o tipo de mulher que faz as coisas sem pensar

Você agora, me ouvindo contar essas histórias
talvez me ache, também, um pouco confusa
e eu, que faço tudo para agradar
já sem saber o que fazer abro minha blusa
como faria qualquer mulher confusa no meu lugar.

Bruna Lombardi

Foto:Yuri B

domingo, novembro 25, 2007

25 de Novembro: Dia Internacional contra a Violência Doméstica





São precisas palavras?

Alertas (se fores vítima...se fores testemunha)
Não ter medo de denunciar!!

Ligar em caso de urgência 800202148.

Apresentar queixa às autoridades competentes.

Pedir apoio à APAV- Associação de Apoio à Vítima
Telef. 707200077


Podes também mandar um mail: apav.sede@apav.pt

Amar dentro do peito...



Amar dentro do peito uma donzela;
Jurar-lhe pelos céus a fé mais pura;
Falar-lhe, conseguindo alta ventura,
Depois da meia-noite na janela:

Fazê-la vir abaixo, e com cautela
Sentir abrir a porta, que murmura;
Entrar pé ante pé, e com ternura
Apertá-la nos braços casta e bela:

Beijar-lhe os vergonhosos, lindos olhos,
E a boca, com prazer o mais jucundo,
Apalpar-lhe de leve os dois pimpolhos:

Vê-la rendida enfim a Amor fecundo;
Ditoso levantar-lhe os brancos folhos;
É este o maior gosto que há no mundo.

Manuel Maria Barbosa du Bocage

Foto:Stanmarek

O cavalo



Teus poros exalam o fumo
Do lar dos deuses de onde vieste.
Rompante de espuma e de lume
És sol quadrúpede ou mar equestre?

Desfilando derramas o ouro
Do teu rio inacabável,
Desmedido relâmpago louro
De um deus equídeo possante e frágil.

Tudo existiu para que fosses
No contraluz desta madrugada
Mitológica proporção perfeita
Em purpúrea bruma recortada.

Pois que te é divino mister
Humanos olhos extasiar
A dúvida é só perceber
Se vieste do sol ou do mar.

Natália Correia

Foto:Okan Metin

sábado, novembro 24, 2007

Frases



"Homem livre, tu sempre gostarás do mar"

Charles Baudelaire (1821-1867)

Foto:Zacarias Pereira da Mata

Mar e Lua



Amaram o amor urgente
As bocas salgadas pela maresia
As costas lanhadas pela tempestade
Naquela cidade
Distante do mar
Amaram o amor serenado
Das noturnas praias
Levantavam as saias
E se enluaravam de felicidade
Naquela cidade
Que não tem luar
Amavam o amor proibido
Pois hoje é sabido
Todo mundo conta
Que uma andava tonta
Grávida de lua
E outra andava nua
Ávida de mar

E foram ficando marcadas
Ouvindo risadas, sentindo arrepio
Olhando pro rio tão cheio de lua
E que continua
Correndo pro mar
E foram correnteza abaixo
Rolando no leito
Engolindo água
Rolando com as algas
Arrastando folhas
Carregando flores
E a se desmanchar
E foram virando peixes
Virando conchas
Virando seixos
Virando areia
Prateada areia
Com lua cheia
E à beira-mar.

Chico Buarque

Foto:Elena Vasilieva

O HINO DO ROBOTISMO



MARCHEMOS ROBÔS E TINTUREIROS

AVANTE!
E…
AVANTE
MARCHEMOS
E CANTEMOS
ESTROFES
COMO "HINO"
DOS VENCEDORES
DOS TINTUREIROS
DOS EMBUSTEIROS
SENHORES,
DOS ROBOTS
CRIADORES!

AVANTE!
MARCHEMOS!
E…
VOLTEMOS A MARCHAR
E, EM CADÊNCIA DE PASSO
A COMPASSO ANDAR;
NÓS,
OS QUE SOMOS A LIGA TEMPERADA
A AÇO MOLDADOS
E SIGAMOS
COM NOSSO "HINO"
ESTANDARTE
EM JEITO DE ESPADA
DE LATA
OU DE AÇO TEMPERADA
QUAL *D. QUIXOTE*
_SEM MOINHOS_
PORQUE DESTRUÍMOS OS SONHOS
E…OS NINHOS!!!...

_NINHOS DA ERA
JURÁSSICA
ONDE O SER
GENTE
PENSANTE TINHA UM CORAÇÃO
NA CAIXA TORÁXICA
_HOJE UM ABISMO
NO ABISMAL FRIO REINO CORPO
DO AÇO_!!!!!!

Henrique Sousa, in "Das Tinturra", págs.71 e 72, Edição de autor.

O poema foi uma contribuição de Heloisa B.P.

Foto:Misha Gordin

Um livro que me foi oferecido, mas recomendo vivamente, porque "é o livro do desassossego para os tios":)

É só irem aqui se quiserem :D

sexta-feira, novembro 23, 2007

Maurice Béjart + Queen



A minha homenagem a dois grandes Senhores.

Maurice Béjart grande bailarino e coreógrafo que faleceu ontem e Freddie Mercury, que fará amanhã 16 anos que desapareceu, de quem era e sou fã.

***



Como reconhecer ainda
o que foi o áureo da vida?
talvez contemplando, na palma
da mão, os arabescos

dessas linhas, dessas rugas
que apertamos com tanta garra
quando no vazio fechamos
a própria mão sobre um nada.

Rainer Maria Rilke (in Frutos e Apontamentos,
(trad. De Maria Gabriela Llansol, Relógio D’Água)

Foto:Pavel Krukov

PS:Poema sacado descaradamente da Gi, um blog que não me canso de recomendar pela sua arte:))))

Estes Putos



PS:Recebido por email

Ironia



Ao tropeçar nela
ela sorriu
e
jogou seus longos cabelos
para trás
e
faíscas azuis me penetraram
e
perfume de limoeiro e champanhe
me envolveram
e
a ponta dos seus dedos
tocaram de leve meu rosto

ouço o trompete de Chet Baker
"Let's get lost",
e
João Gilberto sussurra
"A garota de Ipanema"

ah, e todos os meus sentidos
bailam,

"quantos sentidos têm?", pergunto,
"cinco!", responde,
"e o sexto?", retruco

ainda sorrindo, afasta-se:
"ironia e bom humor, faz sentido?".

Dominique Lotte

Foto:Stanmarek

quinta-feira, novembro 22, 2007

Eu não sei quem te perdeu



Quando veio,
Mostrou-me as mãos vazias,
As mãos como os meus dias,
Tao leves e banais.
E pediu-me
Que lhe levasse o medo,
Eu disse-lhe um segredo:
«Não partas nunca mais»

E dançou,
Rodou no chão molhado,
Num beijo apertado
De barco contra o cais.

E uma asa voa
A cada beijo teu,
Esta noite
Sou dono do céu,
E eu não sei quem te perdeu.

Abraçou-me
Como se abraça o tempo,
A vida num momento
Em gestos nunca iguais.
E parou,
Cantou contra o meu peito,
Num beijo imperfeito
Roubado nos umbrais.

E partiu,
Sem me dizer o nome,
Levando-me o perfume
De tantas noites mais.

E uma asa voa
A cada beijo teu,
Esta noite
Sou dono do céu,
E eu não sei quem te perdeu.

Pedro Abrunhosa



Foto:Mircea Bezergheanu

Eu vou


Eu vou eu vou
Para casa agora eu vou
Parara-tim-bum
Parara-tim-bum.

Eu vou
Eu vou
Eu vou
Eu vou
Eu vou

Para casa
Agora eu vou.

Parara-tim-bum
Parara-tim bum.


Finalmente free mais logo:)))

Amo três gestos teus...



Amo três gestos teus quando, senhor,
me incendeias do teu próprio fogo.
Te serves do meu corpo, minha boca
sorves na tua, me penetras...
És poderoso, vivo, estás feliz.
Mas depois disso cada minuto é meu.

Giosi Lippolis(Tradução de José Paulo Paes)

Foto:Stanmarek

quarta-feira, novembro 21, 2007

Não te amo



Não te amo, quero-te: o amor vem d'alma.
E eu n 'alma – tenho a calma,
A calma – do jazigo.
Ai! não te amo, não.
Não te amo, quero-te: o amor é vida.
E a vida – nem sentida
A trago eu já comigo.
Ai, não te amo, não!

Ai! não te amo, não; e só te quero
De um querer bruto e fero
Que o sangue me devora,
Não chega ao coração.

Não te amo. És bela; e eu não te amo, ó bela.
Quem ama a aziaga estrela
Que lhe luz na má hora
Da sua perdição?

E quero-te, e não te amo, que é forçado,
De mau, feitiço azado
Este indigno furor.
Mas oh! não te amo, não.

E infame sou, porque te quero; e tanto
Que de mim tenho espanto,
De ti medo e terror...
Mas amar!... não te amo, não.

Almeida Garret

Foto:Yuri Bonder

PS:Ainda ausente:(

terça-feira, novembro 20, 2007

Homem



Não tenho inveja da maternidade
nem da lactação
não tenho inveja da adiposidade
nem da menstruação

Só tenho inveja da longevidade
e dos orgasmos múltiplos
e dos orgasmos múltiplos
eu sou homem
pele solta sobre o músculo
eu sou homem
pêlo grosso no nariz

Não tenho inveja da sagacidade
nem da intuição
não tenho inveja da fidelidade
nem da dissimulação

Só tenho inveja da longevidade
e dos orgasmos múltiplos
e dos orgasmos múltiplos
eu sou homem
pele solta sobre o músculo
eu sou homem
pêlo grosso no nariz

Caetano Veloso

Foto:José Marafona

Desencontro



Que língua estrangeira é esta
que me roça a flor do ouvido,
um vozear sem sentido
que nenhum sentido empresta?
Sussuro de vago tom,
reminiscência de esfinge,
voz que se julga, ou se finge
sentindo, e é apenas som.

Contracenamos por gestos,
por sorrisos, por olhares,
rodeios protocolares,
cumprimentos indigestos,
firmes aperto de mão,
passeios de braço dado,
mas por som articulado,
por palavras, isso não.
Antes morrer atolado
na mais negra solidão.

António Gedeão

Foto:Yuri Bonder

PS:Ainda ausente, em princípio até 2ª feira...

quinta-feira, novembro 15, 2007

Queixa das almas jovens censuradas



Dão-nos um lírio e um canivete
E uma alma para ir à escola
E um letreiro que promete
Raízes, hastes e corola.

Dão-nos um mapa imaginário
Que tem a forma duma cidade
Mais um relógio e um calendário
Onde não vem a nossa idade.

Dão-nos a honra de manequim
Para dar corda à nossa ausência.
Dão-nos o prémio de ser assim
Sem pecado e sem inocência.

Dão-nos um barco e um chapéu
Para tirarmos o retrato.
Dão-nos bilhetes para o céu
Levado à cena num teatro.

Penteiam-nos os crânios ermos
Com as cabeleiras dos avós
Para jamais nos parecermos
Connosco quando estamos sós.

Dão-nos um bolo que é a história
Da nossa história sem enredo
E não nos soa na memória
Outra palavra para o medo.

Temos fantasmas tão educados
Que adormecemos no seu ombro
Sonos vazios, despovoados
De personagens do assombro.

Dão-nos a capa do evangelho
E um pacote de tabaco.
Dão-nos um pente e um espelho
Para pentearmos um macaco.

Dão-nos um cravo preso à cabeça
E uma cabeça presa à cintura
Para que o corpo não pareça
A forma da alma que o procura.

Dão-nos um esquife feito de ferro
Com embutidos de diamante
Para organizar já o enterro
Do nosso corpo mais adiante.

Dão-nos um nome e um jornal,
Um avião e um violino.
Mas não nos dão o animal
Que espeta os cornos no destino.

Dão-nos marujos de papelão
Com carimbo no passaporte.
Por isso a nossa dimensão
Não é a vida. Nem é a morte.

Natália Correia

Foto:Yuri Bonder

PS:Ausente, mas hoje com acesso à net de manhã sem restrições.
Para quem perguntou estou melhor e em princípio estarei em casa no fim da próxima semana.
Agora não sei quando voltarei a postar.
Sejam felizes e beijos:)

quarta-feira, novembro 14, 2007

Guardador de rebanhos II



O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de vez em quando olhando para trás...
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem...
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras...
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do mundo...
Creio no mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender...
O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...
Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe por que ama, nem o que é amar...
Amar é a eterna inocência,
E a única inocência não pensar...

Alberto Caeiro

Foto:Regina Lopes

PS:Ainda fora de casa com acesso restrito à net deixo-vos estes dois poemas. Fiquem bem:)

Exercício espiritual



É preciso dizer rosa em vez de dizer ideia
é preciso dizer azul em vez de dizer pantera
é preciso dizer febre em vez de dizer inocência
é preciso dizer o mundo em vez de dizer um homem

É preciso dizer candelabro em vez de dizer arcano
é preciso dizer Para Sempre em vez de dizer Agora
é preciso dizer O Dia em vez de dizer Um Ano
é preciso dizer Maria em vez de dizer aurora

Mário Cesariny de Vasconcelos

Foto:Elena Vasilieva

segunda-feira, novembro 12, 2007

Pedra Filosofal



Eles não sabem que o sonho
é uma constante da vida
tão concreta e definida
como outra coisa qualquer,
como esta pedra cinzenta
em que me sento e descanso,
como este ribeiro manso
em serenos sobressaltos,
como estes pinheiros altos
que em verde e oiro se agitam,
como estas aves que gritam
em bebedeiras de azul.

eles não sabem que o sonho
é vinho, é espuma, é fermento,
bichinho álacre e sedento,
de focinho pontiagudo,
que fossa através de tudo
num perpétuo movimento.

Eles não sabem que o sonho
é tela, é cor, é pincel,
base, fuste, capitel,
arco em ogiva, vitral,
pináculo de catedral,
contraponto, sinfonia,
máscara grega, magia,
que é retorta de alquimista,
mapa do mundo distante,
rosa-dos-ventos, Infante,
caravela quinhentista,
que é cabo da Boa Esperança,
ouro, canela, marfim,
florete de espadachim,
bastidor, passo de dança,
Colombina e Arlequim,
passarola voadora,
pára-raios, locomotiva,
barco de proa festiva,
alto-forno, geradora,
cisão do átomo, radar,
ultra-som, televisão,
desembarque em foguetão
na superfície lunar.

Eles não sabem, nem sonham,
que o sonho comanda a vida,
que sempre que um homem sonha
o mundo pula e avança
como bola colorida
entre as mãos de uma criança.

António Gedeão

Foto:Nuno Milheiro

Ainda estou ausente, mas na terapia ocupacional dão-me uns minutos para vir à net e hoje não resisti de postar. Sinto a falta da "minha" poesia:)
Muitos beijos para todossssssssss:)