sábado, setembro 01, 2007

Nenhuma palavra e nenhuma lembrança



Uma prosa sobre os meus gatos

Perguntaram-me um dia destes
ao telefone
por que não escrevia
poesia (ao menos um poema)
sobre os meus gatos;
mas quem se interessaria
pelos meus gatos,
cuja única evidência
é serem meus (digamos assim)
e serem gatos
(coisa vasta, mas que acontece
a todos os da sua espécie)?
Este poderia
(talvez) ser um tema
(talvez até um tema nobre),
mas um tema não chega para um poema
nem sequer para um poema sobre;
porque é o poema o tema,
forma apenas.
Depois, os meus gatos
escapam de mais à poesia,
ou de menos, o que vai dar ao mesmo,
são muito longe
ou muito perto,
e o poema precisa do tempo certo
de onde possa, como o gato, dar o salto;
o poema que fizesse
faria deles gatos abstractos,
literários, gatos-palavras,
desprezível comércio de que não me orgulharia
(embora a eles tanto lhes desse).
Por fim, não existem «os meus gatos»,
existem uns tantos gatos-gatos,
um gato, outro gato, outro gato,
que por um expediente singular
(que, aliás, também absolutamente lhes desinteressa)
me é dado nomear e adjectivar,
isto é, ocultar,
tendo assim uns gatos em minha casa
e outros na minha cabeça.
Ora só os da cabeça alcançaria
(se alcançasse) o duvidoso processo da poesia.
Fiquei-me por isso por uma prosa,
e mesmo assim excessivamente corrida e judiciosa.

Manuel António Pina

Foto:Barry Walthall

5 comentários:

Conceição Paulino disse...

M.A.Pina smp teve gatos com ele, ao k sei.
Sua filha foi colega da minha filhot'Ana (http://facilitareiki.blogs.sapo.pt/) em jornalismo no Porto.
Chegaram a conviver e ambas viviam com felinos e os admiravam, respeitavam e amavam.
Não se sabe pq mas ...gatos, são...gatos!
Nada + é necessário ser dito.
E M.A. Pina capta muito bem sua essência, ou o k dela entendemos, neste belo poema.
A ti dsejo k tudo vá melhor, k tua vida se trenha reequilibrado e os temporais abalado para longe.
Bkjs
Luz e paz
Bom f.s

Eremit@ disse...

"andar" na net é um pouco como o meu deambular pela serra.
Vou.
E chego sempre a algum lugar
diferente.
Alguns são locais aprazíveis..., outros, mágicos.
Fica-se e repousa-se. Assim aqui cheguei. Já li este pema várias vezes, mas é sempre a "primeira" vez.
O poema de Manuel António Pina é como os gatos de que fala. Sempre diferentes, mostrando-nos facetas inesperadas.
Sabe que agora tenho um novo maigo? Um gato que por aqui apareceu. jà é adulto mas chegou-se amim, estav eu distraído, de joeljos, jardinando, quando senti um leve empurrão nas pernas e ouvia uma miado, como quem diz: olá, estás bom?
Virei-me, sentei-me na terra e fitei-o nos olhos. Fome não me pareceu que tivesse, nem que andásse perdido. Foi uma sensação estranha.
Como se ali tivesse ido de propósito.
Pelo sim pelo não fui a casa "inventar" algum alimento para lhe dar - pois só tenho a viver comigo um cãozarrão serra da estrela que entretanto se chegara, se sentara primeiro a observar, e depois se estirou na terra fresca, com as pernas esparramadas lateralmente para apoiar a barriga na terra húmida e fresca, estendeu as patas da frente e nelas apoiou o focinho, emitiu um som que não foi latido nem rosnar, me fitou e, pareceu dar-me uma "piscadela"de olhos.
Lá inventei algo para o gato, mas não se mostrou muito interessado. gentilmente, sem avidez, peti´scou algo, como quem gentilmente para não fazer desfeita ao hospedeiro aceita algo do que lhe é ofertado.
Estivemos confraternizando os três e depois retomei minhas tarefas, pensando: é gato de alguma casa por aí.
Quando atentei de novo, dormiam, cão e gato, perto de mim e encostados.
Intrigante, pensei.
O certo é que já passarm mais de rês semanas e o gato nunca mias nos deixou. Via, dá os passeios dele, por onde não sei, mas volta sempre como quem diz: esta é aminha casa.
agora somos três.`´E um gato bonito - em verdade creioi nunca ter visto um gato feio - com uma boa pelagem e que me faz pensar no lince da Malcata. Parece arraçado.
Dei-lhe esse nome: "Malcata".
E ele respondeu de imediato.
São animais muito estranhos, quero dizer: especiais.
Bom, desculpe o arrazoado mas nunca falara do gato e o seu poema fez-me recordar o seu aparecimento e fixação na casa, em mim e no cão, como companheiros de sempre.
Bom fim-de-semana e um fraterno abraço

Paula Raposo disse...

Eu não gosto de gatos...

Special K disse...

Eu sempre gostei de gatos. Como disse num outro blogue, gosto da aura de mistério e superstição que os persegue. O facto é que são animais de grande personalidade e que, por mais mimados que sejam nunca perdem o instinto predador bem caracteristico dos felinhos.
Beocas felinas.

Fatyly disse...

Um gato será sempre um gato e têm de facto uma marcação muito própria do território tal como qualquer felino.
Os gatos não se adaptam ao homem, o homem é que se tem de adaptar ao gato.

Gostei desta prosa e o título está soberbo.