quarta-feira, julho 04, 2007

Corpo Habitado



Corpo num horizonte de água,
corpo aberto
à lenta embriaguez dos dedos,
corpo defendido
pelo fulgor das maçãs,
rendido de colina em colina,
corpo amorosamente humedecido
pelo sol dócil da língua.

Corpo com gosto a erva rasa
de secreto jardim,
corpo onde entro em casa,
corpo onde me deito
para sugar o silêncio,
ouvir
o rumor das espigas,
respirar
a doçura escuríssima das silvas.

Corpo de mil bocas,
e todas fulvas de alegria,
todas para sorver,
todas para morder até que um grito
irrompa das entranhas,
e suba às torres,
e suplique um punhal.
Corpo para entregar às lágrimas.
Corpo para morrer.

Corpo para beber até ao fim
meu oceano breve
e branco,
minha secreta embarcação,
meu vento favorável,
minha vária, sempre incerta
navegação.

Eugénio de Andrade

Foto:Andre Zelmanovich

6 comentários:

Alien8 disse...

Sim, gosto imenso deste poema. Escolheste muito bem a foto, mas isso não é novidade :)

Um bom resto de semana, Wind, e um beijo.

Anónimo disse...

Gostei principalmente das palavras do poema,e delirei com a m�sica da Melanie C,obviamente :D
Beijinho,Wind. J� tinha saudades tuas!

Paula Raposo disse...

Digo: sublimes!! Poema e foto...beijos, Isabel.

António disse...

Querida Isabel!
Há poemas que nos dizem que os seus autores são de eleição.
Este é um deles!

Beijinhos

papagueno disse...

Um belo corpo na praia. E u grande poema do nosso Eugénio.
Beijinhos

Bernardo Kolbl disse...

Vim a correr só deixar um abraço de bom dia.