segunda-feira, julho 30, 2007

God only knows

Não sei se te vou amar para sempre. Só Deus sabe quanto tempo dura a eternidade. O que eu sei é que era feliz antes de te conhecer e agora não sei viver sem ti. Em cada dia que nasce há o teu olhar e em cada noite que finda há os teus sonhos.

Se algum dia me deixares, a vida encarregar-se-á de repôr no lugar as horas longas de cada dia, que agora correm velozes. Se algum dia me deixares, não desejarei a morte. Não saberei simplesmente viver os dias felizes sem ti…

Jacky (21.05.2007)

Devaneio inspirado na canção God Only Knows dos Beach Boys, com letra aqui.


PS. Enquanto a wind não estiver cá, os comentários ficarão em moderação. Obrigada e bons dias de sol para todos :)

domingo, julho 29, 2007

Lenine-Paciência



Mesmo quando tudo pede um pouco mais de calma
Até quando o corpo pede um pouco mais de alma
A vida não pára

Enquanto o tempo acelera e pede pressa
Eu me recuso faço hora vou na valsa
A vida é tão rara

Enquanto todo mundo espera a cura do mal
E a loucura finge que isso tudo é normal
Eu finjo ter paciência

O mundo vai girando cada vez mais veloz
A gente espera do mundo e o mundo espera de nós
Um pouco mais de paciência

Será que é o tempo que lhe falta pra perceber
Será que temos esse tempo pra perder
E quem quer saber
A vida é tão rara (Tão rara)

Mesmo quando tudo pede um pouco mais de calma
Mesmo quando o corpo pede um pouco mais de alma
Eu sei, a vida não pára(a vida não pára não)

Será que é tempo que me falta pra perceber
Será que temos esse tempo pra perder
E quem quer saber
A vida é tão rara (tão rara)

Mesmo quando tudo pede um pouco mais de calma
Até quando o corpo pede um pouco mais de alma
Eu sei, a vida não pára(a vida não pára não...a vida não pára)



Foto:Glenn Archer

PS:
"Mesmo quando tudo pede um pouco mais de calma
Até quando o corpo pede um pouco mais de alma
A vida não pára".

Como não pára, páro eu por uns dias. Deixo-vos esta música/letra e o belo poema do Manuel Filipe em baixo.
Fiquem bem e sejam felizes:)

sábado, julho 28, 2007

Eleitos



Quem caminha pela sombra
Arrasta a sua pequena vida gelada
por planícies sem cor,
ou em fresca jornada
através duma alfombra.

Eleitos do esplendor,
entre a memória
e a expectativa,
não há intermitências para a dor!

Quantos oásis, neste queimar
de sol a pique?

Mas repassamos os dedos nas areias,
na esperança viva
de que algo fique.

Manuel Filipe, in "Tempo de Cinza",pág.16, Apenas Livros

Foto:Robert Stalzer

Sete Canções de Declínio



1
Um vago tom de opala debelou
Prolixos funerais de luto de Astro
E pelo espaço, a Oiro se enfolou
O estandarte real livre, sem mastro.

Fantástica bandeira sem suporte,
Incerta, nevoenta, recamada
A desdobrar-se como a minha Sorte
Predita por ciganos numa estrada ...

2
Atapetemos a vida
Contra nós e contra o mundo.
— Desçamos panos de fundo
A cada hora vivida!

Desfiles, danças embora
Mal sejam uma ilusão...
Cenário de mutação
Pela minha vida fora!

Quero ser Eu plenamente:
Eu, o possesso do Pasmo.
Todo o meu entusiasmo,
Ah! que seja o meu Oriente!

O grande doido, o varrido,
O perdulário do Instante
O amante sem amante,
Ora amado, ora traído ...

Lançar os barcos ao Mar
De névoa, em rumo de incerto...
Pra mim o longe é mais perto
Do que o presente lugar.

...E as minhas unhas polidas
Idéia de olhos pintados...
Meus sentidos maquilados
A tintas conhecidas ...

Mistério duma incerteza
Que nunca se há de fixar...
Sonhador em frente ao mar
Duma olvidada riqueza ...

Num programa de teatro
Suceda-se a minha vida
Escada de Oiro descida
Aos pinotes, quatro a quatro! ...

3
Embora num funeral
Desfraldemos as bandeiras
Só as cores são verdadeiras
Siga sempre o festival!

Quermesse — eia! — e ruído!
Louça quebrada! Tropel!
(Defronte do carrossel,
Eu, em ternura esquecido... )

Fitas de cor, vozearia —
Os automóveis repletos:
Seus chauffeurs — os meus afetos
Com librés de fantasia!

Ser bom... Gostaria tanto
De o ser... Mas como? Afinal
Só se me fizesse mal
Eu fruiria esse encanto.

— Afetos?... Divagações...
Amigo dos meus amigos...
Amizades são castigos,
Não me embaraço em prisões!

Fiz deles os meus criados,
Com muita pena decerto.
Mas quero o Salão aberto,
E os meus braços repousados.

4
As grandes Horas! — vive-las
A preço mesmo dum crime!
Só a beleza redime —
Sacrifícios são novelas.

"Ganhar o pão do seu dia
Com o suor do seu rosto..."
— Mas não há maior desgosto
Nem há maior vilania!

E quem for Grande não venha
Dizer-me que passa fome.
Nada há que se não dome
Quando a Estrela for tamanha!

Nem receios nem temores,
Mesmo que sofra por nós
Quem nos faz bem. Esses dós
Impeçam os inferiores.

Os Grandes, partam — dominem
Sua sorte em suas mãos:
— Toldados, inúteis, vãos,
Que o seu Destino imaginem!

Nada nos pode deter;
O nosso caminho é de Astro!
Luto — embora! — o nosso rastro,
Se pra nós Oiro há de ser! ...

5
Vaga lenda facetada
A imprevisto e miragens —
Um grande livro de imagens,
Uma toalha bordada ...

Um baile russo a mil cores.
Um Domingo de Paris —
Cofre de Imperatriz
Roubado por malfeitores.

Antiga quinta deserta
Em que os donos faleceram —
Porta de cristal aberta
Sobre sonhos que esqueceram ...

Um lago à luz do luar
Com um barquinho de corda...
Saudade que não recorda —
Bola de tênis no ar...

Um leque que se rasgou —
Anel perdido no parque —
Lenço que acenou no embarque
De Aquela que não voltou ...

Praia de banhos do sul
Com meninos a brincar
Descalços à beira-mar,
Em tardes de céu azul...

Viagem circulatória
Num expresso de vagões-leitos —
Balão aceso — defeitos
De instalação provisória ...

Palace cosmopolita
De rastaquoères e cocottes —
Audaciosos decotes
Duma francesa bonita ...

Confusão de music-hall,
Aplausos e brou-u-ha —
Interminável sofá
Dum estofo profundo e mole. . .

Pinturas a "ripolin",
Anúncios pelos telhados —
O barulho dos teclados
Das Lynotype do Matin...

Manchete de sensação
Transmitida a todo o mundo —
Famoso artigo de fundo
Que acende uma revolução ...

Um sobrescrito lacrado
Que transviou no correio,
E nos chega sujo — cheio
De carimbos, lado a lado. . .

Nobre ponte citadina
De intranqüila capital —
A umidade outonal
De uma manhã de neblina ...

Uma bebida gelada —
Presentes todos os dias. . .
Champanha em taças esguias
Ou água ao sol entornada ...

Uma gaveta secreta
Com segredos de adultérios...
Porta falsa de mistérios —
Toda uma estante repleta:

Seja enfim a minha vida
Tarada de ócios e Lua:
Vida de Café e rua,
Dolorosa, suspendida —

Ah! mas de enlevo tão grande
Que outra nem sonho ou prevejo...
— A eterna mágoa dum beijo,
Essa mesma, ela me expande ...

6
Um frenesi hialino arrepiou
Pra sempre a minha carne e a minha vida.
Fui um barco de vela que parou
Em súbita baía adormecida ...

Baía embandeirada de miragem,
Dormente de ópio, de cristal e anil,
Na idéia de um país de gaze e Abril,
Em duvidosa e tremulante imagem ...

Parou ali a barca — e, ou fosse encanto,
Ou preguiça, ou delírio, ou esquecimento,
Não mais aparelhou... — ou fosse o vento
Propício que faltasse: ágil e santo ...

...Frente ao porto esboçara-se a cidade,
Descendo enlanguescida e preciosa:
As cúpulas de sombra cor-de-rosa,
As torres de platina e de saudade.

Avenidas de seda deslizando,
Praças de honra libertas sobre o mar
Jardins onde as flores fossem luar;
Lagos — carícias de âmbar flutuando ...

Os palácios de renda e escumalha.
De filigrana e cinza as catedrais —
Sobre a cidade a luz — esquiva poalha
Tingindo-se através longos vitrais ...

Vitrais de sonho a debruá-la em volta,
A isolá-la em lenda marchetada:
Uma Veneza de capricho — solta,
Instável, dúbia, pressentida, alada...

Exílio branco — a sua atmosfera,
Murmúrio de aplausos — seu brou-u-ha...
E na praça mais larga, em frágil cera,
Eu — a estátua "que nunca tombará"...

7
Meu alvoroço de oiro e lua
Tinha por fim que transbordar...
— Caiu-me a Alma ao meio da rua,
E não a Posso ir apanhar.

Mário de Sá-Carneiro

Foto:Piotr Kowalik

sexta-feira, julho 27, 2007

Introdução aos poemas infernais



Já me não basta morrer;
Tanto me falta a certeza
Que paro todo de ser
Na Vida sem mim ilesa.

Morrer é pouco. Destrói
A ordem do que, disperso
Apenas, logo constrói.
- Constante do Universo...

Mas o mais ? Essa energia
Contínua, que permanece,
Elo de nós, dia a dia...
Não sei pensar que ela cesse.

Nem sei, de tanto que a sinto
- Alma não, que não a creio...
Se sou sincero ou se minto,
Ébrio do próprio receio.

Reinaldo Ferreira

Foto:Jacob Ruytenbeek

Séries de TV (Corrente)



Já tinha escrito que não fazia mais correntes, mas desta vez veio da Gi e não consigo recusar-lhe nada.

Tenho de escolher 5 séries televisivas que me marcaram.

Em pequena: Bonanza

Em adolescente:Reviver o Passado em Brideshead

Em adulta:

-Twin Peaks

-Ficheiros secretos

Mais recentemente:Dr.House

Foto daqui

Era suposto passar a 5 pessoas, mas fica por aqui. Quem quiser pode continuar nos comentários.

Tentei fugir da mancha mais escura



Tentei fugir da mancha mais escura
que existe no teu corpo, e desisti.
Era pior que a morte o que antevi:
era a dor de ficar sem sepultura.

Bebi entre os teus flancos a loucura
de não poder viver longe de ti:
és a sombra da casa onde nasci,
és a noite que à noite me procura.

Só por dentro de ti há corredores
e em quartos interiores o cheiro a fruta
que veste de frescura a escuridão...

Só por dentro de ti rebentam flores.
Só por dentro de ti a noite escuta
o que me sai, sem voz, do coração.

David Mourão-Ferreira

Foto:Jonathan Charles

quinta-feira, julho 26, 2007

Crime



Testemunhas: as quatro paredes.
Local do crime: a cama.
Réus: eu e você.
Crime cometido: amor louco e desenfreado,
Amor sem limites,
Amor em todas suas formas possíveis,
Em todas as formas em que éramos compatíveis.

Acoplados com a perfeição de dois módulos espaciais,
Onde qualquer erro milimétrico,
Compromete o sucesso da missão...

Missão cumprida...

A missão foi um sucesso total,
Pois dois corpos tornaram-se um!
Não mais existia eu e você,
Mas, sim, eu-você...

Cometemos um crime perfeito!

Simone Barbariz

Foto:Basil Gromov

Léo Ferré - La Solitude



Je suis d'un autre pays que le votre, d'un autre quartier, d'une autre solitude.
Je m'invente aujourd'hui des chemins de traverse.
Je ne suis plus de chez vous, j'attends des mutants.
Biologiquement je m'arrange avec l'idée que je me fais de la biologie: je pisse, j'éjacule, je pleure.
Il est de toute première instance que nous faconnions nos idées comme s'il s'agissait d'objets manufacturés.
Je suis pret à vous procurer les moules.
Mais, la solitude.
Les moules sont d'une texture nouvelle, je vous avertis.
Ils ont été coulés demain matin.
Si vous n'avez pas dès ce jour, le sentiment relatif de votre durée,
il est inutile de regarder devant vous car devant c'est derrière, la nuit c'est le jour.
Et la solitude.
Il est de toute première instance que les laveries automatiques, au coin des rues,
soient aussi imperturbables que les feux d'arret ou de voie libre.
Les flics du détersif vous indiqueront la case où il vous sera loisible de laver ce que vous croyez etre votre conscience et qui n'est qu'une dépendance de l'ordinateur neurophile qui vous sert de cerveau.
Et pourtant la solitude.
Le désespoir est une forme supérieure de la critique.
Pour le moment, nous l'appellerons "bonheur",
les mots que vous employez n'étant plus "les mots" mais une sorte de conduit à travers lequels, les analphabètes se font bonne conscience.
Mais la solitude.
Le Code civil nous en parlerons plus tard.
Pour le moment, je voudrais codifier l'incodifiable.
Je voudrais mesurer vos danaides démocraties.
Je voudrais m'insérer dans le vide absolu et devenir le non-dit,
le non-avenu, le non-vierge par manque de lucidité.
La lucidité se tient dans mon froc...


Foto:Cornel Pufan

PS:Desligar o som do blog do lado direito, por favor.

Entrevista



Telefonam-me do jornal:
-Fale de amor-
diz o repórter,
como se falasse
do assunto mais banal.

-Do amor? -Me rio
informal. Mas
ele insiste:
-Fale-me de amor-
sem saber, displicente,
que essa palavra
é vendaval.

-Falar de amor? -Pondero:
o que está querendo, afinal?
Quer me expor
no circo da paixão
como treinado animal?

-Fala...-insiste o outro
-Qualquer coisa.
Como se o amor fosse
- qualquer coisa -
prá se embrulhar no jornal.

-Fale bem, fale mal,
uma coisa rapidinha
-ele insiste, como se ignorasse
que as feridas de amor
não se lavam com água e sal.

Ele perguntando
eu resistindo,
porque em matéria de amor
e de entrevista
qualquer palavra mal dita
é fatal.

Affonso Romano de Sant'Anna

Foto:Mehmet Alci

quarta-feira, julho 25, 2007

Amar-amaro



Porque amou por que amou
se sabia
p r o i b i d o p a s s e a r s e n t i m e n t o s
ternos ou desesperados
nesse museu do pardo indiferente
me diga: mas por que
amar sofrer talvez como se morre
de varíola voluntária vágula evidente?

ah PORQUE AMOU
e se queimou
todo por dentro por fora nos cantos ecos
lúgubres de você mesm(o,a)
irm(ã,o) retrato espetáculo por que amou?

se era para
ou era por
como se entretanto todavia
toda via mas toda vida
é indignação do achado e aguda espotejação
da carne do conhecimento, ora veja

permita cavalheir(o,a)
amig(o,a) me releve
este malestar
cantarino escarninho piedoso
este querer consolar sem muita convicção
o que é inconsolável de ofício
a morte é esconsolável consolatrix consoadíssima
a vida também
tudo também
mas o amor car(o,a) colega este não consola nunca de nuncarás.

Carlos Drummond de Andrade

Foto:Gabriele Rigon

Os escravos morrem a trabalhar *

O texto que se segue é da autoria de Alice Brito, advogada em Setúbal, merece que percamos um pouquinho do nosso tempo para o ler.

Se depois de lido não sentir uma revolta a estalar dentro do peito e for capaz de olhar e ouvir os nossos governantes sem se perturbar, cuide-se… porque já perdeu de todo a capacidade de se indignar e, quando assim é, eles podem continuar impunemente a sugar-nos o sangue, que ninguém ousará dizer basta.

Os escravos morrem a trabalhar

"Morreu há dias a Profª Manuela Estanqueiro com 61 anos, a quem havia sido diagnosticada uma leucemia.

O caso ficaria por aqui não fora a violentíssima história em que se embrulhou, espelho feroz dos tempos ferozes em que vivemos.

A professora em Novembro de 2006 foi a uma junta médica e pediu a reforma.

Tinha mais de 30 anos de serviço, um cansaço imenso a persegui-la e uma leucemia invasora que sem piedade lhe encurtava os dias.

Com olhares de abundante reprovação e uma prosápia empaturrada de saber e de poder, a junta médica considerou que a professora estava apta para o desempenho das suas funções, sendo que deveria regressar ao serviço, sob pena de perder o vencimento.

A docente regressou durante 31 dias à sala de aula.

Vómitos, desmaios frequentes, a morte a espreitar em cada segundo que corria escandalosamente penoso, pontuaram a enormidade dos 31 dias, findos os quais entrou no Hospital donde não mais saiu até morrer.

Eram os colegas que a alimentavam na escola porque não tinha força para pegar nos talheres. Eram os colegas que a apoiavam nas turmas porque não tinha já capacidade para dar uma só aula.

A reforma chegar-lhe-ia por fim, uma semana antes da morte.

Quem foram os médicos que atestaram sobre a capacidade da professora para o exercício de funções?

Que instruções lhes foram dadas pelo sistema para agirem desta forma?

Que avaro e desgraçado país é este, que nega displicentemente um tempo mínimo de paz antes da morte a quem trabalhou a vida inteira e com a mesma criminosa displicência concede, ainda na força da vida, reformas milionárias, aos que, como pequenos chefes de turma obsequiosos e concisos prepararam, elaboraram e prescreveram o discurso da crise, do apertar do cinto, do défice, da contenção salarial, do congelamento das carreiras...?

Esta gente confortavelmente reformada e impante, vai depois continuar a ser consumidora de poder e de poderes, colocando-se e recolocando-se nos píncaros da hierarquia de todos os cargos. Vai continuar a arengar sobre a necessidade de baixos salários, apontando a navalha certeira ao coração do Estado Previdência.

Com uma loquacidade técnica, e um linguajar hermético, prova-nos a nós, preto no branco que devemos continuar a trabalhar até morrer, que os aumentos salariais não são aconselháveis, que os despedimentos ainda não são suficientes e que só atingiremos o paraíso quando a flexisegurança borboletear à nossa volta, na renovada Primavera do patronato.

E dizem tudo isto convictos e convincentes, fervorosos e despudorados.

Tempos houve, no Portugal da guerra colonial, em que os mancebos quando iam à inspecção militar eram todos apurados independentemente do seu estado de saúde. Contava-se que mesmo quando estavam a morrer, não ficavam isentos da tropa, ficando apenas "adiados".

O neoliberalismo que coloniza as nossas vidas age como os médicos cegos que preparavam a carne para canhão.

Era professora e tinha uma leucemia. Negaram-lhe a reforma que só chegaria oito dias antes de morrer.

Alice Brito"


*Recebi por email de pessoa amiga, de fonte fidedigna e subscrevo totalmente revoltando-me!

PS:Não coloco foto porque as que vi meteram-me impressão.

Perguntas-me quem sou? Sou astro errante



Perguntas-me quem sou? Sou astro errante
Que um sol dominador a si chamou,
E, cego do seu brilho rutilante,
Se queima nessa luz que o encantou!

Meus passos de inseguro caminhante,
Submissos ao olhar que os escravizou,
Caminham para Ti em cada instante
E tu ainda perguntas quem eu sou!

Eu sou aquilo que de mim fizeste,
Sou as horas sombrias que me deste
A troco da ternura que te dei

Perguntas-me quem sou? Nome de Cristo,
Eu nada sou, Amor, eu nem existo,
Mas querendo tu, Amor, tudo serei!

Reinaldo Ferreira

Foto:Ronald Koster

terça-feira, julho 24, 2007

Pudesse eu



Pudesse eu não ter laços nem limites
Ó vida de mil faces transbordantes
Para poder responder aos teus convites
Suspensos na surpresa dos instantes!

Sophia de Mello Breyner Andresen

Foto:Georgios Bond-Kontaxis

Infinitamente presente



No voo pela noite dos leves mistérios
Onde as estrelas se transformam em anjos,
O sonho liberta um calor profundo,
Enchendo o infinito de fogo e paixão.

O murmúrio dourado dos teus olhos,
Transforma-se no raio de luz
Que multiplica a estrada da vida
Clarificando a imagem do amanhã.

Os segredos vão voando docemente
Por entre vagas de suspiros,
E as recordações vagueando
Pelos recantos da memória transparente.

Simples histórias quentes,
Remexendo com o passado recente,
Crepúsculo de energia crescente
Paraíso da sereia apaixonada.

No esplendor da viagem
Encontro o brilho da canção
Sorrindo alegremente
E descubro a pureza da tua imagem.

Jorge Viegas

Foto:Gabriele Rigon

segunda-feira, julho 23, 2007

Instante



A vida é essa luz
No teu rosto
é esse brilho
Inconstante
Dos teus olhos
Na penumbra.

Essa paixão
Esse instante fugaz.

A vida é só isso
é só isso
Nada mais.

Anna Maria Feitosa

Foto:Nikola Borissov

Um pouco de céu



Só hoje senti
que o rumo a seguir
levava pra longe
senti que este chão
já não tinha espaço
pra tudo o que foge
não sei o motivo pra ir
só sei que não posso ficar
não sei o que vem a seguir
mas quero procurar

e hoje deixei
de tentar erguer
os planos de sempre
aqueles que são
pra outro amanhã
que há-de ser diferente
não quero levar o que dei
talvez nem sequer o que é meu
é que hoje parece bastar
um pouco de céu
um pouco de céu

só hoje esperei
já sem desespero
que a noite caisse
nenhuma palavra
foi hoje diferente
do que já se disse
e há qualquer coisa a nascer
bem dentro no fundo de mim
e há uma força a vencer
qualquer outro fim

não quero levar o que dei
talvez nem sequer o que é meu
é que hoje parece bastar
um pouco de céu
um pouco de céu

Mafalda Veiga

Foto:Sashka Zhadan

domingo, julho 22, 2007

Posso não ouvir mas ouço



Posso não ouvir
Posso não conseguir ouvir
Posso ser surdo
Mas ouço
Consigo ouvir os interiores das gentes
Ouço as tristezas
Mágoas
Confusas
Alegres
E vários sentimentos
consigo ouvir
Posso não ouvir mas ouço
Posso não ouvir os exteriores das gentes
Mas posso ouvir o interior
Até a nossa natureza
Até os nossos animais
Até o nosso mundo cruel
Até o nosso universo
Pouca importa se sou surdo ou não
Sou como quem consegue ouvir
E consegue ver
E falar
Portanto não sou surdo nem cego nem mudo
Sou como tu, como os leitores
Posso ser surdo mas não sou.

Pedro Ribeiro: Poema neste blog

Foto:Pedro Ribeiro neste blog

Ao tempo que ando para fazer este post dedicado ao Pedro, mas entretanto aconteceu a doença da minha mãe e não deu.
O Pedro tem vários blogs, dois deles estão nos links acima e dedico-lhe este post,(com poema e foto dele), porque é um amiguito virtual do messenger muito educado, com uma sensibilidade extraordinária, tendo apenas 19/20 anos.
É o primeiro surdo a ir para o Chapitô frequentar aulas da arte circence.

...Que culpa terão as ondas



...Que culpa terão as ondas
Dos movimentos que façam?
São os ventos que as impelem
E sulcos profundos traçam.
Aos ventos quem lhes ordena
Que rasguem rugas no mar?
São as nuvens inquietas
Que os não deixam sossegar.
E as nuvens, almas de névoa,
Porque não param, coitadas?
É que as asas das gaivotas
As trazem desafiadas.
Mas as asas das gaivotas
O cansaço há-de detê-las!
Juraram buscar descanso
Nas pupilas das estrelas.
E como as estrelas estão altas
E não tombam nem se alcançam,
As asas das pobrezinhas
Baldamente se cansam
Baldamente se cansam,
Baldamente palpitam!
As nuvens, por fatalismo,
Logo com elas se agitam;
Os impulsos que elas dão
Arrastam as ventanias;
As vagas arfam nos mares
Em macabras fantasias

Assim as almas inquietas
Prisioneiras de ansiedades,
Mal que se erguem da terra,
Naufragam nas tempestades!

Reinaldo Ferreira

Foto:Zacarias Pereira da Mata

Cinema Paradiso



Porque está a dar na RTP1 um dos mais belos filmes que vi na minha vida, aqui deixo também uma das cenas que considero mais bonitas do mesmo, com uma magistral banda sonora:um filme dentro de um filme.

Desligar o som do blog do lado direito

sábado, julho 21, 2007

O Ponto



Mínimo sou,
Mas quando ao Nada empresto
A minha elementar realidade,
O Nada é só o resto.

Reinaldo Ferreira

Foto:Rogerio Lemos

Eu Rosie, eu se falasse, eu dir-te-ia



Eu, Rosie, eu se falasse eu dir-te-ia
Que partout, everywhere, em toda a parte,
A vida égale, idêntica, the same,
É sempre um esforço inútil,
Um voo cego a nada.
Mas dancemos; dancemos
Já que temos
A valsa começada
E o Nada
Deve acabar-se também,
Como todas as coisas.
Tu pensas
Nas vantagens imensas
De um par
Que paga sem falar;
Eu, nauseado e grogue,
Eu penso, vê lá bem,
Em Arles e na orelha de Van Gogh...
E assim entre o que eu penso e o que tu sentes
A ponte que nos une - é estar ausentes.

Reinaldo Ferreira

Foto:Stefan Beutler

sexta-feira, julho 20, 2007

Vigilia



No lençol,
entre luz e sono,
na brancura exasperada da vigília
pouco restou por aqui.

Frio?
Abandono?
Ou o eco amargurado da quezília?
tocou-me apenas, fragilmente, um raio de sol,
e algum perfume de ti.

Manuel Filipe, in "Tempo de Cinza", pág.54,Apenas Livros

Foto:Elena Platonova

O ano da chibata



Vale a pena ler este artigo do Publico, sobre a (Des)Educação no ano 2006/2007.

Cartoon:Antero

Soneto a duas mãos



A mão que me sustenta e eu sustento
é mão capaz das vinte e cinco linhas
e do selado azul de um requerimento
ou doutras diligências comesinhas...

Habituada por secretarias,
esperta, decidiu de um grave acento,
a vírgulas guindou torpes cedilhas
e mastigou papel, seu alimento...

Contraiu calos, revoltou-se às vezes,
contra certos despachos, tão soezes
que até o dedo auricular se ria...

Com dois dedos de aumento se curvava
e logo, altiva, à esquerda se mostrava... Agora?
Estão as duas na poesia...

Alexandre O'Neill

Imagem:Escher

quinta-feira, julho 19, 2007

***



Na harmonia
e conforto
das formas e das notas
percutidas
é que a bailarina
dança
e repousa.

Albano Martins

Foto:Gabriele Rigon

PS:Agradeço a todos o apoio, a minha mãe já vai amanhã para casa:)

Isto sim, é importante!

Outro Mundo



Make Poverty History



Vídeos "roubados" à Gi.

PS:Desligar o som do blog do lado direito, por favor.

Dois num


E se fosse consigo prezado encarregado de educação?

1. Imagine que o seu filho tinha concluído, com êxito, o ensino secundário
e tinha também obtido, no exame de acesso à Universidade, uma classificação
que lhe garantia uma entrada folgada no curso da sua escolha.
2. Imagine que, poucos dias após a boa notícia, uma nota do Ministério da
Educação redigida naquele linguajar cinzentão e enigmático que tanto fascina
os pobres de espírito, vem alertá-lo que afinal o tão desejado acesso não
está de todo garantido, já que o aluno deverá submeter-se a um inovador
sistema de pontos, de carácter retroactivo, cujos critérios o ministério
tinha acabado de definir.
3. Imagine agora que, de modo totalmente aleatório, o novo sistema de acesso
ao ensino superior do seu filho tornaria secundárias as suas notas
académicas e estaria dependente, sobretudo, da pontuação obtida nos itens
seguintes:
- assiduidade na frequência dos três anos do ensino secundário;
- comportamento;
- realização de trabalhos escritos de investigação (solicitados ou não);
- desempenho de cargos diversos (delegado, subdelegado... ).
4. Imagine que este novo sistema tinha sido cozinhado à revelia de toda a
gente, na clandestinidade dos gabinetes e iria mudar, de modo imprevisto,as
regras a meio do jogo, com a agravante de incidirem sobre itens que nunca
foram minimamente contabilizados para qualquer mecanismo de acesso à
universidade e em relação aos quais ninguém fora remotamente notificado.
5. Imagine ainda que uma investigação de um bloguista irrequieto tinha
revelado que, subjacente a todo este processo (apresentado pelo ministério
como profundamente motivador e concorrencial), estava a obsessão furtiva da
5 de Outubro em reduzir significativamente o corpo docente do ensino
superior por razões meramente contabilísticas e orçamentais, o que, em
consequência, iria exigir a redução do número de alunos a frequentar a
universidade pública.
6. (...) Pois é exactamente isto que o Ministério da Educação está a fazer a
dezenas de milhares de professores (todos eles com mais de 20 anos de
carreira) com um famigerado "concurso" para professores "titulares". E, não
contente ainda com a patifaria, decidiu também espoliar estes professores de
todo o trabalho que desenvolveram ao longo de 2/3 da sua carreira,
resolvendo contemplar e avaliar apenas os seus últimos 7 anos de serviço.
Na opinião do ministério, parece que é um processo altamente motivador e
estimulante para todos os envolvidos!!!.
Se, de agora em diante, notar que os professores se preocupam, sobretudo,
com o exercício empenhado de cargos burocráticos, administrativos e
amanuenses na sua escola, não estranhe: é que, de acordo com os critérios
pedagógicos do nosso Ministério da Educação, muito mais do que um enfadonho
acto de ensinar esses... é que dão os pontos!!!

Recebi por email e não sei o/a autor/a

CHEIRA AO MEDO DO "ANTIGAMENTE"…

O actual governo, presidido por Sócrates, é violento. Não como outros que o foram antes. Quem não recorda, por exemplo, a violência cavaquista patente, pelo menos, em dois momentos inesquecíveis em que colocou na rua a polícia para reprimir manifestantes: uma vez, no tão célebre quanto triste episódio dos "secos" e "molhados" em que a polícia carregou sobre a polícia; outra vez foi a repressão na Ponte 25 de Abril contra quem contestava o aumento das portagens.

Era a violência física usada para que não restassem dúvidas sobre o poder de quem o detinha. Uma violência que, dada a visibilidade, chamava outros ao protesto nem que fosse para contestarem a própria violência. Contestar, na altura, custaria, quanto muito, o susto de ter de fugir à polícia, mas, para isso, bastava um pouco de argúcia e alguma preparação física.

Hoje é diferente. A polícia não actua da mesma forma. Mostra-se ao longe, identifica (de preferência sem dar muito nas vistas), anda à paisana e usa câmaras de filmar. Porém, embora a polícia se mostre menos, a violência existe talvez mais perversa, pois não deixa nódoas negras na pele. É a outra violência, a que sem deixar marcas exteriores ainda dói mais, aquela que semeia o medo e, dessa forma, contribui para que atinja os seus objectivos quem dela se serve.

Casos com o da DREN/Charrua, o da ex-delegada de saúde de Vieira do Minho, o do autor do blogue Portugal Profundo, as ameaças aos potenciais aderentes à Greve Geral ou o fortíssimo ataque que está a ser movido ao movimento sindical e aos seus dirigentes são sintomáticos do tipo de violência que procura instalar-se e que contribui para a generalização do sentimento de medo.

É o medo de falar, de dar a cara, de denunciar publicamente, de dizer as verdades, de protestar, até de comentar criticamente nem que seja à mesa do café. Sim, porque agora há, de novo, os bufos. E os bufos podem estar na mesa do lado, na secretária em frente, na esquina da rua… bufam para se prestigiarem diante do poder e, talvez assim, garantirem um bom futuro, apesar da sua mediocridade. E é neste caldo de cultura que vai crescendo o medo. O medo do processo disciplinar, do sinal vermelho no registo biográfico, do traço azul no texto, do esfumar da progressão na carreira, de perder o emprego e, assim, a casa, o carro, o futuro dos filhos…

Sócrates há dias, com o seu ar presunçoso, sorria junto de quem o contestava e, para as câmaras da televisão, informava o país de que era um "político democrático", não fosse o país ter disso dúvidas. Mas será democrático o líder de um governo que fez regressar ao país a intolerância política, o delito de opinião, a violência que semeia o medo?!

Evitar que o medo se instale de vez é exigência que se coloca a todos os que acreditam nos valores democráticos. Nestas circunstâncias, lutar contra o medo não é só um direito que nos assiste, é um dever que se impõe a todos nós. É necessário que, sem medo, enxotemos os ditadorzecos que certas conjunturas promovem. Políticos que, ilegitimamente, abusam do poder que legitimamente conquistaram. São os salazarentos deste início de século XXI, sapato de verniz em vez de botas, que nem marcelentos merecem ser considerados.

Desconheço se um dia cairão de alguma cadeira, mas do poder tombarão sem glória, pois apenas os heróis são glorificados pelo povo. Quem ataca e fere os que menos têm e menos podem, jamais merecerá glória. Desses, o povo costuma dizer que "Deus nos livre deles!", mas depois é o próprio povo que perde a paciência de esperar a intervenção divina e deles se livra. Estou convencido que será assim de novo…

Mário Nogueira
Professor, Coordenador do SPRC e Secretário-Geral da FENPROF

Recebido por email

Imagem deste blog

PS:Tenho a acrescentar que a mais professoras com cancro são negadas as reformas pela Caixa Geral de Aposentações.

quarta-feira, julho 18, 2007

O pombo



Um homem sentado numa praça
de Curitiba, São Paulo, Recife, Londres...
Aquele homem é o mesmo
em todas as praças do mundo?
Um homem pousa num banco
e seus pensamentos voam igualmente
como o pensamento de todos os homens
sentados numa praça qualquer
Eis um homem pousado voando
pelo mundo
Esse homem é um pombo
Esse homem é a paz
Será por isso que existem praças
para os homens pousarem
e soltarem as suas asas?

Hideraldo Montenegro

Foto:Pierre Belhassen

PS:Porque só me resta esperar, já há algumas melhoras da minha mãe, vou editando qualquer coisa sempre que tiver cabeça para isso.

segunda-feira, julho 16, 2007

Póstumo fosse este poema!



Póstumo fosse este poema!
Movesse-te a piedade de eu estar morto
E fosses lê-lo! Havias
(Vejo daqui ensombrecer-te o rosto
A mágoa do momento!),
Havias de, sem mim,
Julgar maior a solidão
E crer no teu tormento.
Havias de buscar-me onde ninguém
Achou jamais alguém
Mais que distância e vaga imagem.
Havias de irmanar-me à folha solta,
Ao murmúrio do vento, ao céu, à nuvem

Reinaldo Ferreira

Foto:Yuri B

Texto da Faculdade*



Redacção feita por uma aluna de Letras, que obteve a vitória num concurso interno promovido pelo professor da cadeira de Gramática Portuguesa.

Era a terceira vez que aquele substantivo e aquele artigo se encontravam no elevador.

Um substantivo masculino, com aspecto plural e alguns anos bem vividos pelas preposições da vida. O artigo, era bem definido, feminino, singular. Ela era ainda novinha, mas com um maravilhoso predicado nominal. Era ingénua, silábica, um pouco átona, um pouco ao contrário dele, que era um sujeito oculto, com todos os vícios de linguagem, fanático por leituras e filmes ortográficos.

O substantivo até gostou daquela situação; os dois, sozinhos, naquele lugar sem ninguém a ver nem ouvir. E sem perder a oportunidade, começou a insinuar-se, a perguntar, conversar. O artigo feminino deixou as reticências de lado e permitiu-lhe esse pequeno índice.

De repente, o elevador pára, só com os dois lá dentro.

Óptimo, pensou o substantivo; mais um bom motivo para provocar alguns sinónimos. Pouco tempo depois, já estavam bem entre parênteses, quando o elevador recomeçou a movimentar-se. Só que em vez de descer, sobe e pára exactamente no andar do substantivo.
Ele usou de toda a sua flexão verbal, e entrou com ela no seu aposento.
Ligou o fonema e ficaram alguns instantes em silêncio, ouvindo uma fonética clássica, suave e relaxante. Prepararam uma sintaxe dupla para ele e um hiato com gelo para ela.

Ficaram a conversar, sentados num vocativo, quando ele recomeçou a insinuar-se. Ela foi deixando, ele foi usando o seu forte adjunto adverbial, e rapidamente chegaram a um imperativo.

Todos os vocábulos diziam que iriam terminar num transitivo directo.

Começaram a aproximar-se, ela tremendo de vocabulário e ele sentindo o seu ditongo crescente. Abraçaram-se, numa pontuação tão minúscula, que nem um período simples, passaria entre os dois.

Estavam nessa ênclise quando ela confessou que ainda era vírgula.

Ele não perdeu o ritmo e sugeriu-lhe que ela lhe soletrasse no seu apóstrofo. É claro que ela se deixou levar por essas palavras, pois estava totalmente oxítona às vontades dele e foram para o comum de dois géneros.

Ela, totalmente voz passiva. Ele, completamente voz activa. Entre beijos, carícias, parónimos e substantivos, ele foi avançando cada vez mais.

Ficaram uns minutos nessa próclise e ele, com todo o seu predicativo do objecto, tomava a iniciativa. Estavam assim, na posição de primeira e segunda pessoas do singular.

Ela era um perfeito agente da passiva; ele todo paroxítono, sentindo o pronome do seu grande travessão forçando aquele hífen ainda singular.

Nisto a porta abriu-se repentinamente.
Era o verbo auxiliar do edifício. Ele tinha percebido tudo e entrou logo a dar conjunções e adjectivos aos dois, os quais se encolheram gramaticalmente, cheios de preposições, locuções e exclamativas.

Mas, ao ver aquele corpo jovem, numa acentuação tónica, ou melhor, subtónica, o verbo auxiliar logo diminuiu os seus advérbios e declarou a sua vontade de se tornar particípio na história. Os dois olharam-se; e viram que isso era preferível, a uma metáfora por todo o edifício.

Que loucura, meu Deus!

Aquilo não era nem comparativo. Era um superlativo absoluto. Foi-se aproximando dos dois, com aquela coisa maiúscula, com aquele predicativo do sujeito apontado aos seus objectos. Foi-se chegando cada vez mais perto, comparando o ditongo do substantivo ao seu tritongo e propondo claramente uma mesóclise-a-trois.

Só que, as condições eram estas:

Enquanto abusava de um ditongo nasal, penetraria no gerúndio do substantivo e culminaria com um complemento verbal no artigo feminino.
O substantivo, vendo que poderia transformar-se num artigo indefinido depois dessa situação e pensando no seu infinitivo, resolveu colocar um ponto final na história. Agarrou o verbo auxiliar pelo seu conectivo, atirou-o pela janela e voltou ao seu trema, cada vez mais fiel à língua portuguesa, com o artigo feminino colocado em conjunção coordenativa conclusiva.

Fernanda Braga da Cruz

Foto:Grzegorz Szczerbaciuk

*Recebido por email

Inicial



O dia não é hora por hora.
É dor por dor,
o tempo não se dobra,
não se gasta,
mar, diz o mar,
sem trégua,
terra, diz a terra,
o homem espera.
E só
seu sino
está ali entre os outros
guardando em seu vazio
um silêncio implacável
que se repartirá
quando levante sua língua de metal
onda após onda.

De tantas coisas que tive,
andando de joelhos pelo mundo,
aqui, despido,
não tenho mais que o duro meio-dia
do mar, e um sino.

Eles me dão sua voz para sofrer
e sua advertência para deter-me.
Isto acontece para todo o mundo,
continua o espaço.

E vive o mar.

Existem os sinos.

Pablo Neruda

Foto:Elena Platonova

domingo, julho 15, 2007

Cesaria Evora - Besame Mucho



Besame, besame mucho
Como si fuera esta noche
la ultima vez
Besame, besame mucho
Que tengo miedo tenerte
y perderte despues

Quiero sentirte muy cerca
mirarme en tus ojos
verte junto a mi
Piensa que tal vez manana
yo estare muy lejos
muy lejos de ti

Besame, besame mucho
Como si fuera esta noche
la ultima vez
Besame, besame mucho
Que tengo miedo tenerte
y perderte despues

Que tengo miedo tenerte
y perderte despues.

PS:Para ouvir desligar o som do blog do lado direito, por favor.

Lado Errado Da Noite



Santa apolónia arrotava magotes de gente
Do seu pobre ventre inchado, sujo e decadente
Quando Amélia desceu da carruagem dura e pegajosa
Com o coração danificado e a cabeça em polvorosa
Na mala o frasco de "bien-etre" mal vedado
E o caderno dos desabafos todo ensopado
Amélia apresentava todos os sintomas de quem se dirige
Ao lado errado da noite

Para trás ficaram uma mãe chorosa e o pai embriagado
O pequeno poço dos desejos todo envenenado
A nódoa do bagaço naquela farda republicana
Que a queria levar pra cama todos os fins de semana
E o distinto patrão daquela maldita fundição
A quem era muito mais difícil dizer não
Amélia transportava todas as visões de quem se dirige
Ao lado errado da noite

Amélia encontrou Toni numa velha leitaria
Entre as bolas de berlim com creme e o sol que arrefecia
Ele falou-lhe de um presente bom e de um futuro emocionante
E escondeu-lhe tudo o que pudesse parecer decepcionante
Mais tarde, no quarto de pensão, chamou-lhe sua mulher
Seria ele a orientar o negócio de aluguer
Toni tinha todas as qualidades pra ser um rei
No lado errado da noite

Jonas está agarrado ao seu saxofone
A namorada deu-lhe com os pés pelo telefone
E ele encontrou inspiração numa notícia de jornal
Acerca de uma mulher que foi levada a tribunal
Por ter assassinado uma criança recém nascida
O juiz era um homem que prezava muito a vida
E a pena foi agravada por tudo se ter passado
No lado errado da noite

Jorge Palma

Foto:Levon Khachatrian

Concerto pour Webcam (Expressão musical)



Um hilariante vídeo onde através da expressão facial ele reproduz o som do violino de Paganini.

Visto na Gi.

As Canções de António Botto (3)



Tenho a certeza
De que entre nós tudo acabou.
- Não há bem que sempre dure,
E o meu, bem pouco durou.

Não levantes os teus braços
Para de novo cingir
A minha carne de seda;
- Vou deixar-te, vou partir!

E se um dia te lembrares
Dos meus olhos cor de bronze
E do meu corpo franzino,
Acalma
A tua sensualidade
Bebendo vinho e cantando
Os versos que te mandei
Naquela tarde cinzenta!

Adeus!
Quem fica sofre, bem sei;
Mas sofre mais quem se ausenta!

António Botto

Foto:John Williams

sábado, julho 14, 2007

Corpo



Teu corpo
não se
comporta
mas me
comporta

Tchello

Foto:Jan Emil Christiansen

Um céu e nada mais



Um céu e nada mais - que só um temos,
como neste sistema: só um sol.
Mas luzes a fingir, dependuradas
em abóbada azul - como de tecto.
E o seu número tal, que deslumbrados
eram os teus olhos, se tas mostrasse,
amor, tão ribalta azul, como de
circo, e dança então comigo no
trapézio, poema em alto risco,
e um levíssimo toque de mistério.
Pega nas lantejoulas a fingir
de sóis mal descobertos e lança
agora a âncora maior sobre o meu
coração. Que não te assuste o som
desse trovão que ainda agora ouviste,
era de deus a sua voz, ou mito,
era de um anjo por demais caído.
Mas, de verdade: natural fenómeno
a invadir-te as veias e o cérebro,
tão frágil como álcool, tão de
potente e liso como álcool
ímplodindo do céu e das estrelas,
imensas a fingir e penduradas
sobre abóbada azul. Se te mostrasse,
amor, a cor do pesadelo que por
aqui passou agora mesmo, um céu
e nada mais -que nada temos,
que não seja esta angústia de
mortais (e a maldição da rima,
já agora, a invadir poema em alto
risco), e a dança no trapézio
proibido, sem rede, deus, ou lei,
nem música de dança, nem sequer
inocência de criança, amor,
nem inocência. Um céu e nada mais.

Ana Luísa Amaral

Foto:Eric Richmond

sexta-feira, julho 13, 2007

Vai-te, Poesia!



Deixa-me ver a vida
exacta e intolerável
neste planeta feito de carne humana a chorar
onde um anjo me arrasta todas as noites para casa pelos cabelos
com bandeiras de lume nos olhos,
para fabricar sonhos
carregados de dinamite de lágrimas.

Vai-te, Poesia!

Não quero cantar.
Quero gritar!

José Gomes Ferreira

Foto:Konrad Gös

PS:Roubado à Gi:)

quinta-feira, julho 12, 2007

Nuvens



Nua vens
eu nas
nuvens.

Tchello

Foto:Allan Jenkins

Sem título



Chamo...
Por um momento julgo ouvir resposta.
Fico à espera.
É o apelo de alguém, chamando como eu chamei.
...E assim são as conversas dos homens.

Jaime Salazar Sampaio,Em rodagem

Foto:Nikolai Kuleshov

PS:Descaradamento roubado à Eli:)

quarta-feira, julho 11, 2007

Rotina



Passamos pelas coisas sem as ver,
gastos, como animais envelhecidos:
se alguém chama por nós não respondemos,
se alguém nos pede amor não estremecemos,
como frutos de sombra sem sabor,
vamos caindo ao chão, apodrecidos.

Eugénio de Andrade

Foto:Rene Asmussen

Tango-La Cumparsita



Dançarinos:Eduardo Cappussi and Mariana Flores.

Como se dança brilhantemente e com humor:)

Exigências da vida moderna (quem aguenta tudo isso??) *



Dizem que todos os dias você deve comer uma maçã por causa do ferro.
E uma banana pelo potássio.
E também uma laranja pela vitamina C.

Uma xícara de chá verde sem açúcar para prevenir a diabetes.
Todos os dias deve-se tomar ao menos dois litros de água.
E uriná-los, o que consome o dobro do tempo.
Todos os dias deve-se tomar um Yak
ult pelos lactobacilos (que ninguém sabe bem o que é, mas que aos bilhões, ajudam a digestão).

Cada dia uma Aspirina, previne infarto.
Uma taça de vinho tinto também.
Uma de vinho branco estabiliza o sistema nervoso.
Um copo de cerveja, para... não lembro bem para o que, mas faz bem.
O benefício adicional é que se você tomar tudo isso ao mesmo tempo e tiver um derrame, nem vai perceber.

Todos os dias deve-se comer fibra.
Muita, muitíssima fibra.
Fibra suficiente para fazer um pulôver.
Você deve fazer entre quatro e seis refeições leves diariamente.
E nunca se esqueça de mastigar pelo menos cem vezes cada garfada.
Só para comer, serão cerca de cinco horas do dia.

E não esqueça de escovar os dentes depois de comer.
Ou seja, você tem que escovar os dentes depois da maçã, da banana, da laranja, das seis refeições e enquanto tiver dentes, passar fio dental, massagear a gengiva, escovar a língua e bochechar com Plax.
Melhor, inclusive, ampliar o banheiro e aproveitar para colocar um equipamento de som, porque entre a água, a fibra e os dentes, você vai passar ali várias horas por dia.

Há que se dormir oito horas por noite e trabalhar outras oito por dia, mais as cinco comendo são vinte e uma.
Sobram três, desde que você não pegue trânsito.

As estatísticas comprovam que assistimos três horas de TV por dia.
Menos você, porque todos os dias você vai caminhar ao menos meia hora (por experiência própria, após quinze minutos dê meia volta e comece a voltar, ou a meia hora vira uma).

E você deve cuidar das amizades, porque são como uma planta: devem ser regadas diariamente, o que me faz pensar em quem vai cuidar delas quando eu estiver viajando.

Deve-se estar bem informado também, lendo dois ou três jornais por dia para comparar as informações.

Ah! E o sexo.
Todos os dias, tomando o cuidado de não se cair na rotina.
Há que ser criativo, inovador para renovar a sedução.
Isso leva tempo e nem estou falando de sexo tântrico.

Também precisa sobrar tempo para varrer, passar, lavar roupa, pratos e espero que você não tenha um bichinho de estimação.

Na minha conta são 29 horas por dia.

A única solução que me ocorre é fazer várias dessas coisas ao mesmo tempo!!!

Tomar banho frio com a boca aberta, assim você toma água e escova os dentes. Chame os amigos e seus pais.
Beba o vinho, coma a maçã e dê a banana na boca da sua mulher.

Ainda bem que somos crescidinhos, senão ainda teria um Danoninho e se sobrarem 5 minutos, uma colherada de leite de magnésio.

Agora tenho que ir.

É o meio do dia, e depois da cerveja, do vinho e da maçã, tenho que ir ao banheiro.

E já que vou, levo um jornal...

Tcháu....

Se sobrar um tempinho, me manda um e-mail.

Luís Fernando Veríssimo

*Recebido por email

terça-feira, julho 10, 2007

Ponto de orvalho



Nem se chega a saber como
um inusitado sorriso,
um volver de olhos doentes,
um caminhar indeciso
e cego por entre as gentes,
chamam a si, aglutinam,
essa dor que anda suspensa
(e é dor de toda a maneira)
como o vapor se condensa
sobre núcleos de poeira.
É essa angústia latente
boiando no ar parado
como um trovão iminente,
que em muda voz se pressente
num simples olhar trocado.
Essa angústia universal,
esse humano desespero,
revela-se num sinal,
numa ferida natural
que rói com lento exagero.
Não deita sangue nem pus,
não se mede nem se pesa,
não diz, não chora, não reza,
não se explica nem traduz.
A gente chega, respira,
olha, sorri, cumprimenta,
fala do frio que apoquenta
ou do suor que transpira,
e pronto, sem saber como,
inútil, seco, vazio,
cai na penumbra do rio,
emerge, bóia, soçobra,
fácil e desinteressado
como um papel que se dobra
por onde já foi dobrado.

António Gedeão

Foto:Petek Arici

Monumento



Monumento
tu
nua
num
momento
sem
nem
um
movimento.

Tchello

Foto:Haleh Bryan

segunda-feira, julho 09, 2007

Mar



Mar, metade da minha alma é feita de maresia
Pois é pela mesma inquietação e nostalgia,
Que há no vasto clamor da maré cheia,
Que nunca nenhum bem me satisfez.
E é porque as tuas ondas desfeitas pela areia
Mais fortes se levantam outra vez,
Que após cada queda caminho para a vida,
Por uma nova ilusão entontecida.

E se vou dizendo aos astros o meu mal
É porque também tu revoltado e teatral
Fazes soar a tua dor pelas alturas.
E se antes de tudo odeio e fujo
O que é impuro, profano e sujo,
É só porque as tuas ondas são puras.

Sophia de Mello Breyner Andresen

Foto:Zacarias Pereira da Mata

Retrato de mulher



As tuas coxas são macieiras
cujas flores tocam o céu.
Qual céu? O céu
onde Watteau pendurou o chinelo
de uma dama. Os teus joelhos
são uma brisa do sul – ou
uma rajada de neve. Ora! Que
espécie de homem era Fragonard?
como se isso fosse uma
resposta. Ah, sim, abaixo
dos joelhos, uma vez que o tom
desce por aí, é
um desses dias brancos de Verão,
a erva alta dos teus tornozelos
tremula na praia –
Qual praia? –
a areia cola-se-me aos lábios –
Qual praia?
Ora, pétalas, talvez. Como
é que posso saber?
Qual praia? Qual praia?
Eu disse pétalas de uma macieira.

William Carlos Williams, Tradução de João Ferreira Duarte, em "Leituras poemas do inglês, Relógio de Água, 1993.

Foto:Haleh Bryan

PS:Watteau-Pintor francês do movimento rococó; Fragonard-pintor francês um dos últimos exponentes do rococó e um dos mais antigos precursores do impressionismo.

domingo, julho 08, 2007

Os silêncios



Não entendo os silêncios
que tu fazes
nem aquilo que espreitas
só comigo

Se escondes a imagem
e a palavra
e adivinhas aquilo
que não digo

Se te calas
eu oiço e eu invento
Se tu foges
eu sei não te persigo

Estendo-te as mãos
dou-te a minha alma
e continuo a querer
ficar contigo

Maria Teresa Horta

Foto:Sascha Hüttenhain

Jorge Palma - Encosta-te a Mim



Encosta-te a mim, nós já vivemos cem mil anos
encosta-te a mim, talvez eu esteja a exagerar
encosta-te a mim, dá cabo dos teus desenganos
não queiras ver quem eu não sou, deixa-me chegar

Chegado da guerra, fiz tudo p´ra sobreviver
em nome da terra, no fundo p´ra te merecer
recebe-me bem, não desencantes os meus passos
faz de mim o teu herói, não quero adormecer

Tudo o que eu vi, estou a partilhar contigo
o que não vivi, hei-de inventar contigo
sei que não sei, às vezes entender o teu olhar
mas quero-te bem, encosta-te a mim

Encosta-te a mim, desatinamos tantas vezes
vizinha de mim, deixa ser meu o teu quintal
recebe esta pomba que não está armadilhada
foi comprada, foi roubada, seja como for

Eu venho do nada porque arrasei o que não quis
em nome da estrada onde só quero ser feliz
enrosca-te a mim, vai desarmar a flor queimada
vai beijar o homem-bomba, quero adormecer

Tudo o que eu vi, estou a partilhar contigo
o que não vivi, um dia hei-de inventar contigo
sei que não sei, às vezes entender o teu olhar
mas quero-te bem, encosta-te a mim

Jorge Palma

"O vídeo filmado no passado dia 11 de Junho no Museu da Água, um encontro de amigos...
Realização:Luís Leitão"


PS:Uma belíssima música que me arrepia e me emociona.

Desligar o som do blog do lado direito, por favor.

Live Earth



Quem tiver insónias pode ver aqui o Live Earth:)

Imagem daqui

Actualização às 12h30m:Estão a repetir os concertos, para quem não viu.

sábado, julho 07, 2007

Indagação



Como é o corpo?
Como é o corpo da mulher?
Onde começa: aqui no chão
Ou na cabeleira, e vem descendo?
Como é a perna subindo e vai subindo
Até onde?
Vê-la num corisco é uma dor
No peito, a terra treme.
Diz que na mulher tem partes lindas
E nunca se revelam. Maciezas
Redondas. Como fazem
Nuas, na bacia, se lavando,
Para não se verem nuas nuas nuas?
Por que dentro do vestido muitos outros
vestidos e brancuras e engomados,
Até onde? Quando é que já sem roupa
É ela mesma, só mulher? E como que faz
Quando que faz
Se é que faz
O que fazemos todos porcamente?

Carlos Drummond de Andrade

Foto:Christo Stankulov

Adeus



Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras
e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro!
Era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.

Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes!
E eu acreditava!
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,
no tempo em que o teu corpo era um aquário,
no tempo em que os teus olhos
eram peixes verdes.
Hoje são apenas os teus olhos.
É pouco, mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor...
já não se passa absolutamente nada.

E, no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.

Não temos nada que dar.
Dentro de ti
Não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus.

Eugénio de Andrade

Foto:Rouslan Tiourine

sexta-feira, julho 06, 2007

Porque a não tenho? Tão doce



Porque a não tenho? Tão doce
E tão ao pé de acabar!
Largando, como se fosse
Um barco novo a chegar!

Quisera-a, para brinquedo
Da minha vã meninice.
Nem brincaria, com medo
Que ela, de frágil, partisse.

Bastava só que ficasse
Mito a roçar-se no Fim
E o seu sorriso acalmasse
A angústia dentro de mim.

Reinaldo Ferreira

Foto:Aguiar Thierry

Actualização:Peço desculpa a quem frequenta este blog, mas vi-me obrigada a colocar os comentários com moderação, devido a vários nicks de um blog (não o vou escrever aqui, que isso é o que ele queria, pois só publicito quem merece), que resolveram "embicar" comigo.
Obrigada pela compreensão.

Volúpia



Era já tarde e tu continuavas
entre os meus braços trémulos, cansados...
E eu, sonolenta, já de olhos fechados,
bebia ainda os beijos que me davas!

Passaram horas!... Nossas bocas flavas,
Muito unidas, em haustos repousados,
Queimavam os meus sonhos macerados,
Como rescaldos de candentes lavas.

Veio a manhã e o sol, feroz, risonho,
entrou na minha alcova adormecida,
quebrando o lírio roxo do meu sonho...

Mas deslumbrou-se... e em rúbidos adejos
Ajoelhou-se... e numa luz vencida,
Sorveu... sorveu o mel dos nossos beijos!

Judith Teixeira

Foto:Milco Van Klingeren

quinta-feira, julho 05, 2007

Queixa e imprecações dum condenado à morte



Por existir me cegam,
Me estrangulam,
Me julgam,
Me condenam,
Me esfacelam.
Por me sonhar em vez de ser me insultam,
Por não dormir me culpam
E me dão o silêncio por carrasco
E a solidão por cela.
Por lhes falar, proíbem-me as palavras,
Por lhes doer, censuram-me o desejo
E marcam-me o destino a vergastadas
Pois não ousam morder o meu corpo de beijos.

Passo a passo os encontro no caminho
Que os deuses e o sangue me traçaram.
E negando-me, bebem do meu vinho
E roubam um lugar na minha cama
E comem deste pão que as minhas mãos infames amassaram.
Com angústia e com lama.

Passo a passo os encontro no caminho.
Mas eu sigo sozinho!
Dono dos ventos que me arremessaram,
Senhor dos tempos que me destruíram,
Herói dos homens que me derrubaram,
Macho das coisas que me possuíram.

Andando entre eles invento as passadas
Que hão-de em triunfo conduzir-me à morte
E as horas que sei que me estão contadas,
Deslumbram-me e correm, sem que isso me importe.

Sou eu que me chamo nas vozes que oiço,
Sou eu quem se ri nos dentes que ranjo,
Sou eu quem me corto a mim mesmo o pescoço,
Sou eu que sou doido, sou eu que sou anjo.

Sou eu que passeio as correntes e as asas
Por sobre as cidades que vou destruindo,
Sou eu o incêndio que lhes devora as casas,
O ladrão que entra quando estão dormindo.

Sou eu quem de noite lhes perturba o sono,
Lhes frustra o amor, lhes aperta a garganta.
Sou eu que os enforco numa corda de sonho
Que apodrece e cai mal o sol se levanta.

Sou eu quem de dia lhes cicia o tédio,
O tédio que pensam, que bebem e comem,
O tédio de serem sem nenhum remédio
A perfeita imagem do que for um homem.

Sou eu que partindo aos poucos lhes deixo
Uma herança de pragas e animais nocivos.
Sou eu que morrendo lhes segredo o horror
de serem inúteis e ficarem vivos.

Ary dos Santos

Foto:Pavel Krukov

Ennio Morricone - "Love Theme" - from "Cinema Paradiso"



Parece que hoje estou a fazer do blog um vídeoblog, mas gosto tanto desta música que resolvi partilhar.

PS:Desligar o som do blog do lado direito, por favor.

YMCA - Christopher Graham



Porque também temos de desanuviar, uma excelente perfomance:)

Denuncias!

Recebi por email este post do Orca.

É mais um caso a juntar à professora que morreu com Leucemia.

Também tenho um testemunho pessoal a acrescentar:

A mulher de um colega meu morreu há cerca de um mês com cancro na cabeça. Quando lhe foi diagnosticada a doença, deram-lhe 1 ano. Os médicos não enganaram ninguém.

Acontece que a senhora foi a uma Junta Médica acompanhada pelo meu colega.
Lá deram-lhe a aposentação, mas só com 75% de deficiência.

O meu colega ficou perplexo e disse-lhes que ia recorrer, pois eles eram médicos e sabiam que a doença era fatal, deviam ter dado 100%.

Responderam que sim senhor, podia recorrer.
Ele recorreu.

Há 10 dias recebeu um papel da Junta médica para a mulher lá ir novamente, levar relatórios sobre a evolução do cancro.

A mulher já estava morta!

Como o Antero aqui muito bem faz a caricatura:



Quem dá aulas não pode faltar, porque senão nem para professor titular vai.

Quem nunca teve filhos doentes?

Quem nunca teve uma gripe?

A quem nunca morreu um familiar?

Só coloco as questões mais básicas!

E é este o Ministério da Educação que temos num regime cada vez mais de Ditadura!

PS:Mais uma que comprova o que escrevi.