sábado, abril 07, 2007

Amar



Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
amar e esquecer, amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?

Que pode, pergunto, o ser amoroso,
sozinho, em rotação universal,
senão rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia,
o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?

Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o cru,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e
uma ave de rapina.

Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuido pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.

Amar a nossa falta mesma de amor,
e na secura nossa amar a água implícita,
e o beijo tácito, e a sede infinita.

Carlos Drummond de Andrade

Foto:José Marafona

5 comentários:

Maria Carvalho disse...

Poemas assim deixam-me sem palavras. Beijos.

Fatyly disse...

Boa escolha porque de facto é lindissimo!

Um resto de bom dia*******

PintoRibeiro disse...

Seja. Bom dia, bjinho.

Menina Marota disse...

O amor... ah... o amar... tanto se diz e tanto falta ainda dizer...

Vim desejar-te uma boa Páscoa.

Um abraço carinhoso ;)

Gi disse...

E é, amar assim, perdidamente ...

Só assim entendo o amor ...

Beijinhos Wind com o desejo que o recheio das tuas amêndoas seja de muito amor também