sábado, março 17, 2007

Quero escrever o borrão vermelho de sangue



Quero escrever o borrão vermelho de sangue
com as gotas e coágulos pingando
de dentro para dentro.
Quero escrever amarelo-ouro
com raios de translucidez.
Que não me entendam
pouco-se-me-dá.
Nada tenho a perder.
Jogo tudo na violência
que sempre me povoou,
o grito áspero e agudo e prolongado,
o grito que eu,
por falso respeito humano,
não dei.

Mas aqui vai o meu berro
me rasgando as profundas entranhas
de onde brota o estertor ambicionado.
Quero abarcar o mundo
com o terremoto causado pelo grito.
O clímax de minha vida será a morte.

Quero escrever noções
sem o uso abusivo da palavra.
Só me resta ficar nua:
nada tenho mais a perder.

Clarice Lispector

Foto:Elena Vasileva

3 comentários:

poetaeusou . . . disse...

*
wind
/
inverte o critério
de escolha dos poemas
/
posta o anti-desejo
nunca o escolhido na altura.
o inverso do:
o teu critério de escolha
não te ajuda.
tenta e vais sentir-te melhor.
/
jino)
***

Maria Carvalho disse...

Clarice! E eu quero escrever o que escreveste....

Fresquinha disse...

Como estás ? Tenho que concordar com o poetaeusou. Inverte tendências, sai para a rua em vez de te isolares, canta se puderes, arranja-te, olha-te, gosta-te !!!! Há uma Primavera lá fora. Há amor nas pequenas coisas. Nas coisas mais simples.E há EU. Vai lá rir-te um bocadinho. Vai ...