quinta-feira, fevereiro 15, 2007

Encomenda

Conto erótico que vos ofereço, especialmente neste não-dia dos Namorados :)

Já não sentia o próprio corpo. Regressava a casa, após mais um dia entendiante e cansativo. Entrou no prédio carregada de sacas de compras e, claro, a porta estava fechada. Quando vinha sem nada, estava sempre escancarada para trás. Procurou a chave no meio do caos da sua mala. No finzinho de tudo. Já que estava ali, foi ver qual das simpáticas contas para pagar lhe tinha escrito. Nenhuma.

Ao invés, tinha lá uma pequena encomenda de correio verde. Para ela? Devia ser engano! Não… Era mesmo para ela. No remetente, um apartado qualquer. O que seria? De quem seria? Enfiou a caixa numa das sacas e dirigiu-se para o elevador.

Uns andares mais acima, abriu a porta. O cão ladrou. Sinal da sua chegada. Alerta aos vizinhos. Pousou as sacas na cozinha. O cão deu uns pinotes de contentamento. Bifes para mim, parecia ele dizer? Meteu no frigorífico os frescos e os congelados. Tirou o casaco e pegou na encomenda. Abanou-a. Não emitia qualquer som e era leve. Com uma faca, tirou a fita-cola e abriu-a. Corou violentamente! Uns bóxeres! A caixa trazia uns bóxeres dentro, e masculinos! Ainda bem que não tinha cedido à curiosidade e não tinha aberto a encomenda à frente do vizinho do 8º andar que costumava galá-la com o olhar no elevador. O coração batia quase dolorosamente com o espanto. Depois, penso nisso, falou para si própria. Foi tratar dos seus afazeres. Jantar. Loiça. Umas roupas para pôr a lavar e estender. Minutos que se transformaram em horas passaram sem que os pudesse agarrar.

Banho. Merecia um duche bem quente para descontrair o corpo mortiço. Mmmm a água pelo rosto e pelo cabelo. Lavou-o bem lavado. Ensaboou-se sempre com água quente a correr pelo corpo, pelos ombros e pelo pescoço, doce massagem. Já não se lembrava da última vez que umas mãos lhe tinham massajado o pescoço, nem que um homem a tivesse acariciado. Vivia fechada sobre o próprio corpo, sarcófago de sensações adormecidas. Enrolou-se no roupão. Secou o cabelo numa toalha. Passou creme para amaciar a pele. Vestiu a sua camisa de noite avermelhada que tinha comprado num desses dias, em que lhe apeteceu fazer uma loucura. Para quê? Ninguém nunca a tinha visto, nem nenhumas mãos lha tinham tirado.

Deitou-se na cama, cabelos ainda húmidos, refrescantes na almofada. Na mesinha de cabeceira, em cima do habitual livro: a encomenda. Tirou os bóxeres da caixa. Eram simplesmente brancos. A medo, aproximou-os do nariz. Cheiravam a qualquer coisa que não sabia bem definir. Cheiravam-lhe a homem.

Imperceptivelmente, ficou acelerada. Apeteceu-lhe tirar a camisa e sentir a frescura dos lençóis na pele. Tirou as cuecas. Cheirou-as. Tinham cheiro a sabão porque tinha acabado de as vestir, ainda não tinham guardado o seu próprio cheiro. Apeteceu-lhe sentir a textura dos bóxeres pelo corpo. Acariciou-se ao de leve com eles no peito, sobre a barriga e na parte interna das coxas onde a pele era mais tenra. O cheiro dele tinha-lhe ficado retido nas narinas. De olhos fechado, imaginou-o ali ao lado dela.

Ele aproximou-se. Encostou o seu corpo nu ao dela. Sentiu um frémito irresistível. Ele, na sua boca. Ele, no seu pescoço. Ele, agarrado às suas nádegas. Uma mão entreabre-lhe as pernas. Um dedo atrevido no seu sexo. Respiração acelerada. Dedo dominador que a tomou sem reservas. Não há qualquer pudor no desejo que cresce por dentro de uma forma quase violenta. Geme, mas apetece-lhe gritar, dizer-lhe coisas obscenas ao ouvido. Que ficaria ele a pensar? Pergunta perdida no meio do furacão de sensações que se abate sobre ela, com aquele dedo que simplesmente não pára, nem pretende parar. Chora. É demasiado. Não consegue conter as sensações dentro do corpo tanto tempo fechado.

Abre os olhos. Ele não está ali, mas está. O cheiro dele fez emergir nela a vontade de ser mulher, de voltar a sentir, de ceder aos impulsos e aos desejos. Paz. Corpo aberto. Corpo saído do sarcófago da insensibilidade. Agora, ela era todo corpo.

Adormece nua, agarrada aos bóxeres, a pensar que amanhã tem de descobrir de quem são…

Jacky (06.09.2005)

17 comentários:

Special K disse...

Também somos as nossas fantasias, é bom fantasiar. Um lindo conto, um beijo para ti Jacky e, se puderes manda envia um também para a Wind.

Maria Carvalho disse...

Gostei Jacky. Espero que a Isabel esteja bem e eu envio um beijo a ambas.

SÓNIA P. R. disse...

Bom fim de semana .

Bjinho.

Outro para a Isabel e as melhoras.

poetaeusou . . . disse...

Atravessam a mata de Monsanto,
avistam o Tejo, lindo como sempre.
Ela pede que pare o Carro, a pé.
desaparecem na mata, ele rodeia-a,.
com os seus braços, ensaiam um mitico bailado de afectos, caricias, entregas mutuas.
Ela com os seus olhos pede mais.
terra feita cama, recebe-os.
Ela abre-se, ele suavemente,.
enterra-se na carne...
Jacky, a tua prosa é sublime.
bj)

Geoffrey Kruse-Safford disse...

Jacky -
Very candid.
Why don't you have a boyfriend again?
I like erotica that is honest. Thanks from the US

andorinha disse...

Imensamente lindo!:)
Bjs.

Fatyly disse...

Gostei muito!

Mocho Falante disse...

bommmmm estes contos deveriam ficar registado num livro

beijocas Às duas

PintoRibeiro disse...

Boa noite, boa semana e um abraço.



Bjinhos à Wind.

Edson Marques disse...

Jacky,


belíssimo, teu conto erótico!



Se você não encontrar razões para ser livre, invente-as.


abraços, flores, estrelas...


http://mude.weblogger.com.br

Fátima Santos disse...

belíssimo! brijos ás duas!

Jorge Castro (OrCa) disse...

É urgente que ela procure o dono de tão sugestiva peça... para que a invenção do amor aconteça, de novo, na cidade.

Muito bem "esgalhado", se me perdoas o calão.

Beijos.

perplexo disse...

Bom!

MariaTuché disse...

Maravilhoso texto.

Deixo um beijo para ti e outro enorme para a Wind :)

Kalinka disse...

Há quem diga que o Carnaval são 3 dias...sejam lá os que forem, mas na rua a mim ninguém me apanha! No entanto, gosto de saber das tradições do nosso País e...li que de encontrões vive também o Carnaval de Cabanas de Viriato,
onde a «dança dos cus» mantém viva
uma tradição nascida em 1865.

E, uma foto da minha Catarina, vestida de palhacito.
Convido-te para espreitares a minha «palhacita»!
A avó comprou os vários tecidos a metro e foi confeccionado a olho, para no dia, ser uma surpresa para a neta, que adorou...

ADOREI OS TEUS CONTOS. PARABÉNS.

jacky disse...

Obrigada pelos vossos comentários tão queridos. Não estava à espera de reacções tão espontâneas de apoio pois o erotismo choca muita gente.
Um beijinho

wind disse...

Jacky parabéns por este conto, está belíssimo!:)