quinta-feira, agosto 31, 2006

Nas ervas



Escalar-te lábio a lábio,
percorrer-te: eis a cintura
o lume breve entre as nádegas
e o ventre, o peito, o dorso
descer aos flancos, enterrar

os olhos na pedra fresca
dos teus olhos,
entregar-me poro a poro
ao furor da tua boca,
esquecer a mão errante
na festa ou na fresta

aberta à doce penetração
das águas duras,
respirar como quem tropeça
no escuro, gritar
às portas da alegria,
da solidão.

porque é terrivel
subir assim às hastes da loucura,
do fogo descer à neve.

abandonar-me agora
nas ervas ao orvalho -
a glande leve.

Eugénio de Andrade

Foto:Sergey Ryzhkov

terça-feira, agosto 29, 2006

A arte de ser feliz



Houve um tempo em que minha janela
se abria sobre uma cidade que parecia
ser feita de giz. Perto da janela havia um
pequeno jardim quase seco.
Era uma época de estiagem, de terra
esfarelada, e o jardim parecia morto.
Mas todas as manhãs vinha um pobre
com um balde e, em silêncio, ia atirando
com a mão umas gotas de água sobre
as plantas. Não era uma rega: era uma
espécie de aspersão ritual, para que o
jardim não morresse. E eu olhava para
as plantas, para o homem, para as gotas
de água que caíam de seus dedos
magros e meu coração ficava
completamente feliz.
Às vezes abro a janela e encontro o
jasmineiro em flor. Outras vezes
encontro nuvens espessas. Avisto
crinças que vão para a escola. Pardais
que pulam pelo muro. Gatos que abrem
e fecham os olhos, sonhando com
pardais. Borboletas brancas, duas a
duas, como refelectidas no espelho do ar.
Marimbondos que sempre me parecem
personagens de Lope de Vega. Às
vezes um galo canta. Às vezes um
avião passa. Tudo está certo, no seu
lugar, cumprindo o seu destino. E eu me
sinto completamente feliz.
Mas, quando falo dessas pequenas
felicidades certas, que estão diante de
cada janela, uns dizem que essas coisas
não existem, outros que só existem
diante das minhas janelas, e outros,
finalmente, que é preciso aprender a
olhar, para poder vê-las assim.

Cecília Meireles

Foto:Maury Perseval

Fica (Poesia Sufi)



Tocaste a órbita do coração celeste,
agora fica aqui.
Pudeste ver a lua nova
agora fica.

Sofreste em excesso por tua ignorância,
carregaste teus trapos
para um lado e para outro,
agora fica aqui.

Teu tempo acabou.
Escutaste tudo o que se pode dizer
sobre a beleza desse amante,
fica aqui agora.

Juraste em teu coração
que havia leite nesses seios,
agora que provaste desse leite,
fica.

Jalaluddin Rumi

Foto:Sascha Hüttenhain

Pinosanguinochetburundá



El Inmenso el Inmenso
el más detacagado hijo de atrás del Grande
el atiranorror
el despomastaorror
el funéreo funerísimo funegeneralísimo
el más destacarancho roedor
comedor
triturador
nato quebrantahuesos
vampiro chupador
el más destacagado traidor
usurpador gorgojo
piojo incendiario
Pinosanguinochetburundá el Inmenso
el más destacagado ovario
de mi madre Adefesia
hija y madre del Grande
el cagador de dólares
borrapueblos
borrudo
robacobriboludo petroludo.

Rafael Alberti

Imagem daqui

segunda-feira, agosto 28, 2006

Figurino



Figurino assusta cães do vizinho
assim na roda da folia tudo pode tudo fode tudo mamãe sacode
papai meu namorado é homem que nem eu
nem sei assim porque tanta satisfação neste amor stone
repente epifania joyceclarice
clara desrevelação

ventania pro pelourinho lindo nas cores turistas
olhos vazados engendrados girassóis gel roxos nós
e o turista
rindo louro bem carla pedes bumba meu boi bumba minha boi bumba meu oi
bomba eu cima baixo atrás na frente entre dentro teu tu
ardente ao ponto

nega nova véia média serena baiana serve cocadas oitenta centavos nem
cinqüenta cents apenas só isso preço promoção seu gringo munheca pão-duro
filhodaputa.

Amador Ribeiro Neto

Retirado daqui

Imagem daqui

domingo, agosto 27, 2006

Um poema exemplar



Um poema exemplar: em linhas como:
«Cidade, rumor e vaivém sem paz das ruas,
Ó vida suja, hostil, inutilmente gasta,
Saber que existe o mar e existem praias nuas,
Montanhas sem nome e planícies mais vastas
Que o mais vasto desejo,
E eu estou em ti fechada e apenas vejo
Os muros e as paredes e não vejo
Nem o crescer do mar nem o mudar das luas.
Saber que tomas em ti a minha vida
E que arrastas pela sombra das paredes
A minha alma que fora prometida
Às ondas brancas e às florestas verdes»

Sophia de Mello Breyner Andresen

Foto:Sascha Hüttenhain

A noite passada



A noite passada acordei com o teu beijo
descias o Douro e eu fui esperar-te ao Tejo
vinhas numa barca que não vi passar
corri pela margem até à beira do mar
até que te vi num castelo de areia
cantavas "sou gaivota e fui sereia"
ri-me de ti "então porque não voas?"
e então tu olhaste
depois sorriste
abriste a janela e voaste

A noite passada fui passear no mar
a viola irmã cuidou de me arrastar
chegado ao mar alto abriu-se em dois o mundo
olhei para baixo dormias lá no fundo
faltou-me o pé senti que me afundava
por entre as algas teu cabelo boiava
a lua cheia escureceu nas águas
e então falámos
e então dissemos
aqui vivemos muitos anos

A noite passada um paredão ruiu
pela fresta aberta o meu peito fugiu
estavas do outro lado a tricotar janelas
vias-me em segredo ao debruçar-te nelas
cheguei-me a ti disse baixinho "olá",
toquei-te no ombro e a marca ficou lá
o sol inteiro caiu entre os montes
e então olhaste
depois sorriste
disseste "ainda bem que voltaste".

Sérgio Godinho

Foto:Andrzej Bur

sábado, agosto 26, 2006

Destino Atroz



"Um poeta sofre três vezes: primeiro quando ele os sente, depois quando ele os escreve e, por último, quando declamam os seus versos."


Mário Quintana

Foto:Gianni Candido

Lixo



Encontram-se na área de serviço. Cada um com seu pacote de lixo. É a primeira vez que se falam
— Bom dia...
— Bom dia.
— A senhora é do 610.
— E o senhor do 612.
— É.
— Eu ainda não lhe conhecia pessoalmente...
— Pois é...
— Desculpe a minha indiscrição, mas tenho visto o seu lixo...
— O meu quê?
— O seu lixo.
— Ah...
— Reparei que nunca é muito. Sua família deve ser pequena...
— Na verdade sou só eu.
— Mmmm. Notei também que o senhor usa muita comida em lata.
— É que eu tenho que fazer minha própria comida. E como não sei cozinhar...
— Entendo.
— A senhora também...
— Me chame de você.
— Você também perdoe a minha indiscrição, mas tenho visto alguns restos de comida em seu lixo. Champignons, coisas assim...
— É que eu gosto muito de cozinhar. Fazer pratos diferentes. Mas como moro sozinha, às vezes sobra...
— A senhora... Você não tem família?
— Tenho, mas não aqui.
— No Espírito Santo.
— Como é que você sabe?
— Vejo uns envelopes no seu lixo. Do Espírito Santo.
— É. Mamãe escreve todas as semanas.
— Ela é professora?
— Isso é incrível! Como foi que você adivinhou?
— Pela letra no envelope. Achei que era letra de professora.
— O senhor não recebe muitas cartas. A julgar pelo seu lixo.
— Pois é...
— No outro dia tinha um envelope de telegrama amassado.
— É.
— Más notícias?
— Meu pai. Morreu.
— Sinto muito.
— Ele já estava bem velhinho. Lá no Sul. Há tempos não nos víamos.
— Foi por isso que você recomeçou a fumar?
— Como é que você sabe?
— De um dia para o outro começaram a aparecer carteiras de cigarro amassadas no seu lixo.
— É verdade. Mas consegui parar outra vez.
— Eu, graças a Deus, nunca fumei.
— Eu sei. Mas tenho visto uns vidrinhos de comprimido no seu lixo...
— Tranqüilizantes. Foi uma fase. Já passou.
— Você brigou com o namorado, certo?
— Isso você também descobriu no lixo?
— Primeiro o buquê de flores, com o cartãozinho, jogado fora. Depois, muito lenço de papel.
— E, chorei bastante. Mas já passou.
— Mas hoje ainda tem uns lencinhos...
— É que eu estou com um pouco de coriza.
— Ah.
— Vejo muita revista de palavras cruzadas no seu lixo.
— É. Sim. Bem. Eu fico muito em casa. Não saio muito. Sabe como é.
— Namorada?
— Não.
— Mas há uns dias tinha uma fotografia de mulher no seu lixo. Até bonitinha.
— Eu estava limpando umas gavetas. Coisa antiga.
— Você não rasgou a fotografia. Isso significa que, no fundo, você quer que ela volte.
— Você já está analisando o meu lixo!
— Não posso negar que o seu lixo me interessou.
— Engraçado. Quando examinei o seu lixo, decidi que gostaria de conhecê-la. Acho que foi a poesia.
— Não! Você viu meus poemas?
— Vi e gostei muito.
— Mas são muito ruins!
— Se você achasse eles ruins mesmo, teria rasgado. Eles só estavam dobrados.
— Se eu soubesse que você ia ler...
— Só não fiquei com eles porque, afinal, estaria roubando. Se bem que, não sei: o lixo da pessoa ainda é propriedade dela?
— Acho que não. Lixo é domínio público.
— Você tem razão. Através do lixo, o particular se torna público. O que sobra da nossa vida privada se integra com a sobra dos outros. O lixo é comunitário. É a nossa parte mais social. Será isso?
— Bom, aí você já está indo fundo demais no lixo. Acho que...
— Ontem, no seu lixo..
— O quê?
— Me enganei, ou eram cascas de camarão?
— Acertou. Comprei uns camarões graúdos e descasquei.
— Eu adoro camarão.
— Descasquei, mas ainda não comi. Quem sabe a gente pode...
— Jantar juntos?
— É.
— Não quero dar trabalho.
— Trabalho nenhum.
— Vai sujar a sua cozinha.
— Nada. Num instante se limpa tudo e põe os restos fora.
— No seu lixo ou no meu?

Luís Fernando Veríssimo

Imagem daqui

sexta-feira, agosto 25, 2006

Poema para uma mulher azul



Ela é a música e a alegria de um lugar que não se esquece.
Seu corpo nasce na noite que a minha fogueira alimenta.

No berço de sua palavra uma partitura é lembrada como um pássaro que se vê.
É sua semente a explosão em branco que toca a onda.

Clara como uma jazida de fogo, o seu minério se expande, concentra, cria e recupera
em suas mãos as fontes do tempo: em sua ciência todo sonho é matéria para um novo espírito.

Ela é a chuva, a casa, a mulher e a criança. Veste-se em tudo sua alegria que vibra,
e em cada corda de sua beleza um mesmo instrumento canta seu júbilo.

Peixes e estrelas desceram da noite para iluminar sua passagem. Para o dia que nasce
ela é o peito e a voz que declara a vida.

O seu corpo é amor, e assim é toda verdade.

Weydson Barros Leal

Foto:Stanmarek

Harmonia Velha



O teu beijo resume
Todas as sensações dos meus sentidos
A cor, o gosto, o tato, a música, o perfume
Dos teus lábios acesos e estendidos
Fazem a escala ardente com que acordas o fauno encantador
Que, na lira sensual de cinco cordas,
Tange a canção do amor!

E o tato mais vibrante,
O sabor mais sutil, a cor mais louca,
O perfume mais doido, o som mais provocante
Moram na flor triunfal da tua boca!
Flor que se olha, e ouve, e toca, e prova, e aspira;
Flor de alma, que é também
Um acorde em minha lira,
Que é meu mal e é meu bem...

Se uma emoção estranha
o gosto de uma fruta, a luz de um poente -
chega a mim, não sei de onde, e bruscamente ganha
qualquer sentido meu, é a ti somente
que ouço, ou aspiro, ou provo, ou toco, ou vejo...
E acabo de pensar
Que qualquer emoção vem de teu beijo
Que anda disperso no ar...

Guilherme de Almeida

Foto:Sergey Ryzhkov

quinta-feira, agosto 24, 2006

Parabéns "T":-)



Muitos parabéns Texere por dois anos de blogosfera.

Aqui fica uma foto tua, para mostrar porque te chamo a poetisa artista da fotografia:)

beijos*****


Foto:Tecum

Cumplicidade



No teu olhar circunspecto
contemplo uma alma triste,
disfarçadamente triste,
contida,
sem asas para alçar vôo
sem ímpeto para lançar-se no destino.

Quisera poder retribuir com outro olhar
mas os meus olhos melancólicos
são apenas cúmplices da vida,
nada mais!

Germano Rocha

Foto:Stanmarek

***



Não há outra tentação para o amor e para a poesia
a tentação de não dizer nada para dizer tudo

Não sonhei mas vi no silêncio de uma tarde de verão
o teu vulto melodioso junto a uma árvore negra e vermelha
o calor era tão lento que tu quase gritavas
lentamente a tarde era do Eros absoluto
lentamente o desejo de te possuir queimava-me
e no desejo de fluir nuamente nas tuas veias
abrasava-me
a tua cor era profunda como a terra lenta e vermelha
e lentamente como um astro uma sombra
abria as comportas da tua noite
e inundava-te.

António Ramos Rosa

Foto:Yuri B.

PS:Retirei este poema numa das minhas pesquisas pela net. Acontece que não tinha título. Se alguém o souber, agradeço que mo escreva nos comentários por favor. Obrigada:)

quarta-feira, agosto 23, 2006

O Que



o que nos vem
e o que deixamos;
o que nunca encontra
o que eternamente
é par,

o lar;
a comunhão;

o que nos é pedido

e o que nos leva;

o que damos;
o que precisamos;

o que é busca;
o que somente
nos procura;

o que ninguém concede;
o caminho;
o laço;
a cama;

o que lutamos
pelas mãos;
o que desperdiçamos;

o que nos é dado escrever;
o sonho
e o acontecimento;

o homem que ama;
os danos e o benfazejo;

o lucro;
a perda;
a falta;
o jogo;
o amor;

a flecha
e o conto;

a ficção;
os pés;
(a solidão);

o relógio;
a morte;

a música e a vela;

o ventre; o vão; a paixão;

o que queremos;
o que quer;

o que vivemos;
o que vive;

o orgasmo;
a espera;
a água;
a esperança ...

Weydson Barros Leal

Foto:Stanmarek

Amor



Ela: Você me ama mais do que tudo?
Ele: Amo.
Ela: Paixão, paixão?
Ele: Paixão, paixão mesmo.
Ela: Mais do que tudo no mundo todo?
Ele: No mundo todo e fora dele.
Ela: Não acredito.
Ele: Faz um teste.
Ela: Eu ou fios de ovos.
Ele: Você, fácil.
Ela: Daqueles com calda grossa, que a gente chupa o fio e a calda escorre pelo queixo.
Ele: Prefiro você.
Ela: Futebol.
Ele: Não tem comparação.
Ela: Você esta caminhando, vem uma bola quicando, a garotada grita "Devolve tio!" e você domina, faz dezessete embaixadas e chuta com perfeição.
Ele: Prefiro você.
Ela: Internacional e Milan em Tóquio pelo campeonato do mundo, passagem e entrada de graça.
Ele: Você vai junto?
Ela: Não.
Ele: Pela televisão se vê melhor.
Ela: Faz muito calor. Aí chove, aí abre o sol, aí vem uma brisa fresca com aquele cheiro de terra molhada, aí toca uma musica no rádio e é uma nova do Paulinho. É Sexta-feira e a televisão anunciou um Hitchcock sem dublagem para aquela noite... e o Itamar está dando certo.
Ele: Você.
Ela: Voltar a infância só pra poder pisar na lama com o pé descalço e sentir a lama fazer squish entre os dedos.
Ele: Você, longe.
Ela: A Sharon Stone telefona e diz que é ela ou eu.
Ele: Que dúvida. Você.
Ela: Cheiro de livro novo. Solo de sax alto. Criança distraída. Canetinha japonesa. Bateria de escola de samba. Lençol recém-lavado. Hora no dentista cancelada. Filme com escadaria curva. Letra do Aldir Blanc. Pastel de rodoviária.
Ele: Você, você, você, você, você, você, você, você, você e você, respectivamente.
Ela: A Sharon Stone telefona novamente e diz que se você se livrar de mim ela já vem sem calcinha.
Ele: Desligo o telefone.
Ela: Fama e fortuna. A explicação do universo e do mercado de commodities, com exclusividade. A vida eterna e um cartão de credito que nunca expira.
Ele: Prefiro você.
Ela: Uma cerveja geladinha. A garrafa chega estalando. No copo, fica com um quarto de espuma firme. O resto é ela, só ela, dizendo "Vem".
Ele: Hummm...
Ela: Como, hummm? Ela ou eu?

...Silêncio de 5 segundos ...

Ele: Qual é a marca?
Ela: Seu cretino!

Luís Fernando Veríssimo

Foto:Janusz Miller

terça-feira, agosto 22, 2006

Eu



Eu
quando olho nos olhos
sei quando uma pessoa
está por dentro
ou está por fora

quem está por fora
não segura
um olhar que demora

de dentro de meu centro
este poema me olha.

Paulo Leminsk

Foto:Duane Michals

Hora



Sinto que hoje novamente embarco
Para as grandes aventuras,
Passam no ar palavras obscuras
E o meu desejo canta --- por isso marco
Nos meus sentidos a imagem desta hora.

Sonoro e profundo
Aquele mundo
Que eu sonhara e perdera
Espera
O peso dos meus gestos.

E dormem mil gestos nos meus dedos.

Desligadas dos círculos funestos
Das mentiras alheias,
Finalmente solitárias,
As minhas mãos estão cheias
De expectativa e de segredos
Como os negros arvoredos
Que baloiçam na noite murmurando.

Ao longe por mim oiço chamando
A voz das coisas que eu sei amar.

E de novo caminho para o mar.

Sophia de Mello Breyner andresen

Foto:Georg Suturin

segunda-feira, agosto 21, 2006

Seus seios



Seus seios são o caminho que todos anseiam
eles são fartas tetas por onde a existência se fortifica
seus seios não são a loucura plus
eles não são nada mas são tudo
firmes e belos eles apontam
para o sol de todos os dias
criatura do criador
obra prima no oásis
de nós mesmos
seus seios enlouquecem
quando desatam da alça do sutiã
eles são como a aurora
surgindo para além do previsível
e irremediável
seus seios eis a lírica mais perfeita
num tempo de imperfeições.

Paulo Netho

Foto:Stanmarek

Umbigo



Comentário da Fatyly a uma foto do Words do dia 16/08/06:

"Hoje consegui comentar:):)
Tive a ousadia de levar esta foto para o meu cantinho e olhando para ela...saiu isto:

Umbigo

Através de um tubo tão flexível
cresci e naveguei nove meses
não era vísivel mas tão sensível
ao que me acontecia tantas vezes.

Adormecia embalado por uma voz
acordava com outra numa gritaria
eu pontapeava... quem sois vós?
tenham calma ou há anomalia?

Comecei a sentir-me apertado
tão apertado que resolvi fugir
como era longo o caminho
eu não via a hora de sair!

Ouvia um gemer constante
por fim um ai de alegria
lá vim eu com o barbante
ao mundo dizer bom dia!

Cortaram e enfeitaram
com peça de joalharia
tão feia mas ajeitaram
eu só via porcaria!

Fiquei com essa espiral
que apelidam de umbigo
muitos só giram afinal
do seu que é tão negro!

Mas o da maioria é colorido
bem disposto e sorridente
porque todos temos umbigo
porque todos somos gente! "

Fatyly
20/08/2006

Foto:Wind

domingo, agosto 20, 2006

Cantou um dia o Che numa esplanada



Cantou um dia o Che nas palavras do poeta
E numa esplanada um café arrefeceu sobre a mesa
Enquanto cantava amor e revolução.
No olhar de quem a rodeava
Havia o pasmo, havia o espanto
De ouvir, numa esplanada, palavras nunca antes ditas,
E do amor que havia na voz de quem lia o canto
De quem assim fazia amor dando palavras
Lendo o poeta, o Che e a revolução.
E elevou a voz e disse das montanhas
E do desejo de liberdade que tinha dentro.
E a revolução do Che e do poeta foi a sua
E anulou a distância, atravessou montanhas
E deu amor dando a palavra
Enquanto o café arrefecia na mesa
Ela cantava o poeta
E fazia amor e revolução.

Encandescente, in "Encandescente", pág. 22, Edições Polvo

Foto:Maury Perseval

Nos nossos olhos...



Nos nossos olhos há uma ingenuidade imediata
que é mais do que uma ponte para o dia
porque é o dia mesmo no seu espaço de luz,
na sua lenta fatalidade, na sua urgência solar.
Escrevo talvez para sorver uma laranja de sombra
que é uma encantação do tempo no espaço liso da casa.
Estou atento ao menor frémito do silêncio
que talha na palavra as pálpebras do sossego.
Talvez eu escreva um verso como um talismã
ou pouse a minha palma sobre um ombro
de uma figura de água delicada,
vazia de sentido mas como uma estrela branca
ou uma harpa azul com seus flancos de ouro.
Se no silêncio a que o poema conduz
eu desenhasse o ouvido vegetal
da tranquila cobra de veludo e pólen
que dorme à beira de um regato verde
talvez pudesse atravessar o dia
com a lentidão fresca de um barco deslumbrado
abrindo o caminho na árvore azul do mar.

António Ramos Rosa

Foto:Yuri B

sábado, agosto 19, 2006

Uma escritora erótica aos afagos de um poeta



Na casa sem pecado se embriaga

O toque do telefone
O convite dela
O aceito dele

Satisfação e felicidade
Se embriagam

O clima se compõem
Odor, aconchego
Metafísico, afrodisíaco

Sonolenta no sofá adormece

O toque da campainha
Meia noite e trinta
O sorriso transparece
A excitação que desce e faz subir

O beijo na face
Música, pizza,
Bebida e conto

Colchão no chão
Lençol na cama
Travesseiro, almofada,
Cobertor e virou

Liberdade
O filme pornô a luz enubrece

Ela vira
Ele tira a calça
Ele vira
Ela tira a roupa

Ela parece dormir
Ele então comenta
De um beijo que deve a ela

Troca filme
Ele senta no chão

A dívida reluz
Ao seu lado
Ele deita

O beijo...
Ardente, quente,
Molhado, alucinante

Conversas diversas

Outro beijo
Ele e ela
Roupas e lençol
Ao alto

O beijo
A transfusão de desejos
Em posições...

O amanhecer
Despedida
O beijo na boca

Letícia Luccheze

Foto:A. Arni

Etiquetas aleatórias



Mais uma corrente que me foi passada desta vez pela Pandora:)
Consiste no seguinte: colocamos 6 informações sobre nós, absolutamente ao acaso e passamos a etiqueta a outros 6 "infelizes", de preferência que não se encontrem de férias:-)

1- Não sei de todo cozinhar, nunca aprendi, não consigo mexer em carne ou peixe crus.

2- Quando estou a pensar em algo tenho o tique de mexer no cabelo.

3- Os meus sentidos mais desenvolvidos são o olfacto e o tacto.

4- Adoro o mar, acalma-me e faz-me entrar em paz espiritual.

5- Tenho 2 grandes "pancadões": a música e a fotografia. Se pudesse não fazia mais nada. Só me dedicava a estes dois hobbies.

6- E agora a "bomba": I don’t believe in love;)

Vou passar esta etiqueta para os "infelizes":

Cila
Hindy
Alien8
Isabel Filipe
Dulce
Parrot

Imagem daqui

Pantanero

ZÉ MACHADO ( PANTANERO )

19/07/51 - 19/08/05




Faz hoje um ano que partiste. Mesmo com ideologias diferentes continuas a ser o AMIGO do coração grande.
Até um dia!


Wind

Declaração de amor



Tentei dizer quanto te amava, aquela vez, baixinho
mas havia um grande berreiro, um enorme burburinho
e, pensado bem, o berçário não era o melhor lugar.

Você de fraldas, uma graça, e eu pelado lado a lado,
cada um recém-chegado você em saber ouvir, eu sem saber
falar.

Tentei de novo, lembro bem, na escola.

Um PS no bilhete pedindo cola interceptado pela
professora como um gavião.

Fui parar na sala da diretora e depois na rua
enquanto você, compreensivelmente, ficou na sua.

A vida é curta, longa é a paixão.
Numa festinha, ah, nossas festinhas, disse tudo:
"Eu te adoro, te venero, na tua frente fico mudo"
E você não disse nada. E você não disse nada.

Só mais tarde, de ressaca, atinei.
Cheio de amor e Cuba, me enganei e disse tudo para uma
almofada.

Gravei, em vinte árvores, quarenta corações.
O teu nome, o meu, flechas e palpitações:

No mal-me-quer, bem-me-quer, dizimei jardins.

Resultado: sou persona pouco grata corrido a gritos de
"Mata! Mata!" por conservacionistas, ecólogos e afins.

Recorri, em desespero, ao gesto obsoleto:

"Se não me segurarem faço um soneto"
E não é que fiz, e até com boas rimas?
Você não leu, e nem sequer ficou sabendo.
Continuo inédito e por teu amor sofrendo
Mas fui premiado num concurso em Minas.

Comecei a escrever com pincel e piche num muro branco, o
asseio que se lixe, todo o meu amor para a tua ciência.

Fui preso, aos socos, e fichado.

Dias e mais dias interrogado: era PC< PC do B ou alguma
dissidência?

Te escrevi com lágrimas , sangue, suor e mel
(você devia ver o estado do papel)
uma carta longa, linda e passional.
De resposta nem uma carinha
nem um cartão, nem uma linha!
Vá se confiar no Correio Nacional.

Com uma serenata, sim, uma serenata como nos tempos da
Cabocla Ingrata me declararia, respeitando a métrica.
Ardor, tenor, a calçada enluarada...
havia tudo sob a tua sacada
menos tomada pra guitarra elétrica.

Decidi, então, botar a maior banca no céu escrever com
fumaça branca: "Te amo, assinado.." e meu nome bem
legível. Já tinha avião, coragem, brevê tudo para
impressionar você mas veio a crise, faltou o combustível.

Ontem você me emprestou seu ouvido e na discoteca, em
meio do alarido, despejei meu coração.
Falei da devoção ha anos entalada e você disse "Não
escuto banda". Disse "eu não escuto nada".
Curta é a vida, longa é a paixão.

Na velhice, num asilo, lado a lado em meio a um silêncio
abençoado direi o que sinto, meu bem.
O meu único medo é que então empinando a orelha com a mão
você me responda só: "Hein?"

Luís Fernando Veríssimo

Foto:Andrzej Dragan

sexta-feira, agosto 18, 2006

Poemeto Erótico



Teu corpo é tudo o que brilha
Teu corpo é tudo o que cheira
Rosa, flor de laranjeira
Teu corpo, claro e perfeito
Teu corpo de maravilha
Quero possui-lo no leito estreito da redondilha
Teu corpo, branco e macio
É como um véu de noivado.
Teu corpo é pomo doirado,
Rosal queimado de estio
Desfalecido em perfume
Teu corpo é a brasa do lume
Teu corpo é chama
E flameja como à tarde os horizontes
É puro como nas fontes a água clara que serpeja,
Que em cantigas se derrama, volúpia da água e da chama
Teu corpo é tudo o que brilha,
Teu corpo é tudo o que cheira.
A todo momento o vejo
Teu corpo, a única ilha no oceano do meu desejo.

Manoel Bandeira

Foto:Gianni Candido

Metamorfose



Em Pedra:
Cinzel na mão
Coração emparedado
Ideias em cascalho
Preconceitos enraizados
Pensamentos presos ao passado
Sentidos adormecidos
Sensações seguras
Meteoro esquecido

Em Carne:
Mão na mão
Coração inflamado
Ideias preciosas
Conceitos recriados
Pensamentos em projecto
Sentidos em alerta
Sensações inquietas
Corpo palpitante

Em Pedra e Carne
Sempre em metamorfose…

Poema feito pela Jacky baseado na foto, em resposta a um desafio feito por mim.

Foto:Stanmarek

quinta-feira, agosto 17, 2006

Pororocas



Os prazeres do corpo
adoçam, alegram, cicatrizam.
Abaixo diques, represas!
Sinto o temporal caindo
no deserto. Secreto.
Liberando sumos. Virando Amazonas.
Abaixo a aridez!
Meus fluidos correm livres outra vez!
Quero foz, quero delta, quero muitas pororocas!
Quero muito! Quero mais! Do bom e do pior!
Quero aprender, crescer, evoluir
como a Mocidade na Sapucaí!
abraçando generosamente tudo que me cabe:
o ruim e o melhor! Sem restrições.
E poder finalmente concluir
que tudo depende do ponto de vista,
que são muitos, que são mis.
Abaixo maniqueísmos! Abaixo racismos!
Vivam os quereres! E os amores! E os
desamores!
Mentes míopes, empoeiradas,
hipermétropes e cansadas
pouco podem perceber!
Visão estreita. Mente estreita.
Estreito é o nosso olfato, o nosso tato.
Faixas limitadas. Limitadíssimas.
O corpo é o limite! Socorro!
Quero jogar tanto xadrez quanto porrinha.
Admirar Picasso e Newton Bravo.
Me deliciar com adoçante, sal marinho,
fel e açúcar mascavo.
Quero amar o ateu e a freirinha.
O belo e o feinho.
E amar. E ter prazer. E transcender.
O limite...

Eliane Stoducto

Foto:Sascha Hüttenhain

À proa



Eu tenho insistido em poucas coisas
e desistido de muitas.

No barco, o leme se perde,
eu e meu quepe distraídos,
sombra e olho fixos no mar
Quase tudo é movimento de suspense:
lápis parado no ar.

Positivos, fatais,
os círculos se fecham
Mas eu não.

Fico imóvel a emitir as ondas magnéticas
do que está por vir.
E o futuro de todos
me atinge como um raio:
este ama,

aquele ali dá aulas
uma lá tem filhos
EU

estou
entre fechar os livros
no meio da lição,
ou prosseguir mirando o livro
como um barco
num mar
imprecisão.

Suzana Vargas

Foto:Maury Perseval

quarta-feira, agosto 16, 2006

Soneto de amor



Não me peças palavras, nem baladas,
Nem expressões, nem alma... Abre-me o seio,
Deixa cair as pálpebras pesadas,
E entre os seios me apertes sem receio.

Na tua boca sob a minha, ao meio,
Nossas línguas se busquem, desvairadas...
E que os meus flancos nus vibrem no enleio
Das tuas pernas ágeis e delgadas.

E em duas bocas uma língua..., – unidos,
Nós trocaremos beijos e gemidos,
Sentindo o nosso sangue misturar-se.

Depois... – abre os teus olhos, minha amada!
Enterra-os bem nos meus, não digas nada...
Deixa a Vida exprimir-se sem disfarce!

José Régio

Foto:Irina Velichko

Virgindade



Duas mulheres se beijam...
Duas mulheres se tocam...
Inebriante desejo sólido
Uma tempestade de querer bem

Corpos gêmeos que se anulam
Vítimas de uma insaciedade plena
Incessante alegria terrena...
Que se compraz em libertinagem.

Querem descobrir o mundo
Nesse breve útero de felicidade.
Saborear a maçã paradisíaca
Encontrar a inocente virgindade.

Mas não se esqueçam das escolas
E dos seus professores que nos ensinam inúteis mentiras.
Não se esqueçam da igrejas
E dos seus padres que nos ensinam a ter medo da vida.

Saibam que a verdadeira escola
Está nas experiências da existência.
E que a verdadeira religião
Está no sexo e no amor.

Vejam comigo este sublime momento,
Em que alheias ao rumores do inferno
E livres dos seus hábitos negros,
As duas freiras se amam, nuas,
Numa bela manhã de sol.

Thiago Maia

Foto:Maury Perseval

terça-feira, agosto 15, 2006

Pássaros



Sim, havia em mim
um bando de pássaros ávidos por voar
ficaram entretanto aprisionados
nunca conseguiram romper meu coração
e se libertarem
hoje eu sou uma gaiola de angústias sem asas.

Marilda Soares

Imagem daqui

Bojudo fradalhão de larga venta



Bojudo fradalhão de larga venta,
Abismo imundo de tabaco esturro,
Doutor na asneira, na ciência burro,
Com barba hirsuta, que no peito assenta:

No púlpito um domingo se apresenta;
Pregas nas grades espantoso murro;
E acalmado do povo o grão sussurro
O dique das asneiras arrebenta.

Quatro putas mofavam de seus brados,
Não querendo que gritasse contra as modas
Um pecador dos mais desaforados:

"Não (diz uma) tu padre não me engodas:
Sempre, me hé-de lembrar por meus pecados
A noite, em que me deste nove fodas"!

Bocage

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segunda-feira, agosto 14, 2006

Frases de Bernard Shaw



Não há amor mais sincero que o da comida.

Cabe à mulher casar-se o mais cedo possível e ao homem ficar solteiro o mais tempo que pode.

A minha especialidade é ter razão quando os outros não a têm.

Quando um tolo pratica um ato de que se envergonha, declara sempre que fez o seu dever.

Quem nunca esperou não pode desesperar nunca.

Uma vida inteira de felicidade? Ninguém aguentaria: seria o inferno na terra.

O pior crime para com os nossos semelhantes não é odiá-los, mas demonstrar-lhes indiferença: é a essência da desumanidade.

Há duas tragédias na vida: uma, a de não alcançarmos o que o nosso coração deseja; a outra, de alcançá-lo.

Os ingleses nunca hão de ser escravos: eles são livres de fazer tudo o que o Governo e a opinião pública lhes permitem fazer.

(Jogo de xadrez) É um expediente tolo para fazer com que pessoas preguiçosas acreditem que estão fazendo algo muito inteligente, quando estão apenas perdendo tempo.

O lar é a prisão da moça e o hospício da mulher.

O martírio... é a única maneira de ganhar fama sem ter competência.

Quem deseja uma vida feliz com uma mulher bonita assemelha-se a quem quisesse saborear o gosto do vinho tendo a boca sempre cheia dele.

Não faças aos outros o que queres que te façam; os gostos deles podem ser diferentes dos teus.

Neste mundo sempre há perigo para aqueles que o temem.

Há apenas uma única religião, embora dela exista uma centena de versões.

Nunca espero nada de um soldado que pensa.

Sou abstêmio apenas de cerveja, não de champanha.

Não gosto de sentir-me em casa quando estou no estrangeiro.

Bernard Shaw

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Muriel



Às vezes se te lembras procurava-te
retinha-te esgotava-te e se te não perdia
era só por haver-te já perdido ao encontrar-te
Nada no fundo tinha que dizer-te
e para ver-te verdadeiramente
e na tua visão me comprazer
indispensável era evitar ter-te
Era tudo tão simples quando te esperava
tão disponível como então eu estava
Mas hoje há os papéis há as voltas a dar
há gente à minha volta há a gravata
Misturei muitas coisas com a tua imagem
Tu és a mesma mas nem imaginas
como mudou aquele que te esperava
Tu sabes como era se soubesses como é
Numa vida tão curta mudei tanto
que é um certo espanto que no espelho de manhã
distraído diviso a cara que me resta
depois de tudo quanto o tempo me levou
Eu tinha uma cidade tinha o nome de madrid
havia as ruas as pessoas o anonimato
os bares os cinemas os museus
um dia vi-te e desde então madrid
se porventura tem ainda para mim sentido
é ser a solidão que te rodeia a ti
Mas o preço que pago por te ter
é ter-te apenas quanto poder ver-te
e ao ver-te saber que vou deixar de ver-te
Sou muito pobre tenho só por mim
no meio destas ruas e do pão e dos jornais
este sol de janeiro e alguns amigos mais
Mesmo agora te vejo e mesmo ao ver-te não te vejo
pois sei que dentro em pouco deixarei de ver-te
Eu aprendi a ver na minha infância
vim a saber mais tarde a importância desse verbo para os gregos
e penso que se bach hoje nascesse
em vez de ter composto aquele prelúdio e fuga em ré maior
que esta mesma tarde num concerto ouvi
teria concebido aqueles sweet hunters
que esta noite vi no cinema rosales
Vejo-te agora vi-te ontem e anteontem
e penso que se nunca a bem dizer te vejo
se fosse além de ver-te sem remédio te perdia
Mas eu dizia que te via aqui e acolá
e quando te não via dependia
do momento marcado para ver-te
Eu chegava primeiro e tinha de esperar-te
e antes de chegares já lá estavas
naquele preciso sítio combinado
onde sempre chegavas sempre tarde
ainda que antes mesmo de chegares lá estivesses
se ausente mais presente pela expectativa
por isso mais te via do que ao ter-te à minha frente
Mas sabia e sei que um dia não virás
que até duvidarei se tu estiveste onde estiveste
ou até se exististe ou se eu mesmo existi
pois na dúvida tenho a única certeza
Terá mesmo existido o sítio onde estivemos?
Aquela hora certa aquele lugar?
À força de o pensar penso que não
Na melhor das hipóteses estou longe
qualquer de nós terá talvez morrido
No fundo quem nos visse àquela hora
à saída do metro de serrano
sensivelmente em frente daquele bar
poderia pensar que éramos reais
pontos materiais de referência
como as árvores ou os candeeiros
Talvez pensasse que naqueles encontros
em que talvez no fundo procurássemos
o encontro profundo com nós mesmos
haveria entre nós um verdadeiro encontro
como o que apenas temos nos encontros
que vemos entre os outros onde só afinal somos felizes
Isso era por exemplo o que me acontecia
quando há anos nas manhãs de roma
entre os pinheiros ainda indecisos
do meu perdido parque de villa borghese
eu via essa mulher e esse homem
que naqueles encontros pontuais
decerto não seriam tão felizes como neles eu
pois a felicidade para nós possível
é sempre a que sonhamos que há nos outros
Até que certo dia não sei bem
ou não passei por lá ou eles não foram
nunca mais foram nunca mais passei por lá
Passamos como tudo sem remédio passa
e um dia decerto mesmo duvidamos
dia não tão distante como nós pensamos
se estivemos ali se madrid existiu
Se portanto chegares tu primeiro porventura
alguma vez daqui a alguns anos
junto de califórnia vinte e um
que não te admires se olhares e não me vires
Estarei longe talvez tenha envelhecido
terei até talvez mesmo morrido
Não te deixes ficar sequer à minha espera
não telefones não marques o número
ele terá mudado a casa será outra
Nada penses ou faças vai-te embora
tu serás nessa altura jovem como agora
tu serás sempre a mesma fresca jovem pura
que alaga de luz todos os olhos
que exibe o sossego dos antigos templos
e que resiste ao tempo como a pedra
que vê passar os dias um por um
que contempla a sucessão da escuridão e luz
e assiste ao assalto pelo sol
daquele poder que pertencia à lua
que transfigura em luxo o próprio lixo
que tão de leve vive que nem dão por ela
as parcas implacáveis para os outros
que embora tudo mude nunca muda
ou se mudar que se não lembre de morrer
ou que enfim morra mas que não me desiluda
Dizia que ao chegar se olhares e não me vires
nada penses ou faças vai-te embora
eu não te faço falta e não tem sentido
esperares por quem talvez tenha morrido
ou nem sequer talvez tenha existido.

Ruy Belo

Foto:Andrzej Dragan

domingo, agosto 13, 2006

Uma voz na pedra



Não sei se respondo ou se pergunto.
Sou uma voz que nasceu na penumbra do vazio.

Estou um pouco ébria e estou crescendo numa pedra.
Não tenho a sabedoria do mel ou a do vinho.
De súbito, ergo-me como uma torre de sombra fulgurante.
A minha tristeza é a da sede e a da chama.
Com esta pequena centelha quero incendiar o silêncio.
O que eu amo não sei. Amo. Amo em total abandono.
Sinto a minha boca dentro das árvores e de uma oculta nascente.
Indecisa e ardente, algo ainda não é flor em mim.
Não estou perdida, estou entre o vento e o olvido.
Quero conhecer a minha nudez e ser o azul da presença.
Não sou a destruição cega nem a esperança impossível.
Sou alguém que espera ser aberto por uma palavra.

António Ramos Rosa

Foto:José Marafona

Soneto do Orfeu



São demais os perigos dessa vida
Para quem tem paixão, principalmente
Quando uma lua surge de repente
E se deixa no céu, como esquecida

E se ao luar, que actua desvairado
Vem unir-se uma música qualquer
Aí então é preciso ter cuidado
Porque deve andar perto uma mulher

Uma mulher que é feita de música
Luar e sentimento, e que a vida
Não quer, de tão perfeita

Uma mulher que é como a própria lua:
Tão linda que só espalha sofrimento,
Tão cheia de pudor que vive nua.

Vinícius de Moraes

Foto:Alexander Heinrichs

sábado, agosto 12, 2006

Ilha



Deitada és uma ilha e raramente
surgem ilhas no mar tão alongadas
com tão prometedoras enseadas
um só bosque no meio florescente

promontórios a pique e de repente
na luz de duas gémeas madrugadas
o fulgor das colinas acordadas
o pasmo da planície adolescente

Deitada és uma ilha que percorro
descobrindo-lhe as zonas mais sombrias
Mas nem sabes se grito por socorro

ou se te mostro só que me inebrias
Amiga amor amante amada eu morro
da vida que me dás todos os dias

David Mourão-Ferreira

Foto:Valery Bareta

Psicopata



(...)Com relação ao potencial de conflitos interpessoais da personalidade do psicopata é interessante considerar dois modelos: o grau de poder ou controle exercido sobre as demais e o grau de afinidade. Sobre o poder está em apreço a dominância ou a submissão aos demais e, em relação à afinidade, entra em cena a hostilidade ou o cuidado.
A expressiva maioria dos psicopatas estabelece uma interação social do tipo hostilidade e dominância, ficando a submissão e cuidado por conta dos não psicopatas. Para o exercício da dominância e hostilidade, o psicopata costuma culpar a outros, mentir com freqüência, buscar continuadamente atenção e ameaçar a outros com violência. O contrário dessa postura seria a amabilidade social, representada pelas condutas coercitivas e dóceis.
Entretanto, para complicar ainda mais essa questão dos traços, devemos considerar o desempenho sócio-teatral dos psicopatas, através do qual manifestam atitudes que não fazem parte de suas características genuínas, mas, sobretudo, de suas simulações sociais.
É assim que a Psicopatia pode aparecer estreitamente vinculada com a amabilidade. Neste modelo o Psicopata Primário tende a ser coercitivo e, apesar disso, também dominante e sociável (gregário). Já os Psicopatas Secundários, além de poderem ser também coercitivos, costumam ser mais isolados e aparentemente submissos. Mas ambos tipos exibem estilos interpessoais que os coloca na possibilidade de ter conflitos com terceiros.
De qualquer forma, satisfazendo os critérios usados para definir os Transtornos de Personalidade, de modo geral, os psicopatas tendem a manifestar comportamentos rígidos e inflexíveis.
Millon (1998) desenvolveu também uma subtipologia dos psicopatas, por sinal, de interesse clínico maior que a subtipologia de Blackburm. A idéia de Millon foi dirimir as contradições entre numerosas visões que se têm sobre o psicopata. Mesmo considerando diversos subtipos de psicopatas, Millon deixa claro que existem elementos comuns a todos os grupos: um marcado egocentrismo e um profundo desprezo pelos sentimentos e necessidades alheias.(...)

Retirado daqui

Imagem daqui

sexta-feira, agosto 11, 2006

Fome de traça



Passeio-me nos livros como verme que sou
sei devorar os clássicos por ordem
Já comi Jane Austen, Agustina Bessa-Luís,
Anais Nim, Margarida Rebelo Pinto.

Até já comi as irmãs Brönte
no Alentejo, em cima de um monte
num dia de vendavais
bah! Bacanais...

Já comi a Bíblia, em papel "couché"
já comi o "Drácula" em papel bíblia
já comi os volumes todos do "Tempo perdido"
já comi "O homem sem qualidades".

Tenho boa boca. Como de tudo.

Já comi os sonetos de Shakespeare
a lírica camoniana
e até duas camónes
que eram de Louisiana

Como de tudo.

"Gargântua e Pantagruel". Já comi.
Alfredo Saramago. Já provei.
José Saramago: comi e vomitei.
Caiu-me na fraqueza.

Não se deve comer Saramago em jejum.
Já comi "Os miseráveis" com pasta de atum.
Passeio-me nos livros como verme que sou.
Sei devorar os clássicos por ordem.

Como de tudo. Tenho boa boca.

Já comi o "Tubarão" sem ver o filme.
Comi o "Ben-Hur", o "Quo Vadis" e "A Túnica".
Comi os 12 Césares duma vez
e pus Suetónio a suar na sauna do Holmes Place.

Tenho apetite pela Literatura.
Um dia destes vou comer as gajas todas à traição
quando estiverem a dormir no "Kamasutra".

Luís Graça

Imagem daqui

O homem de cinquenta anos



Do berço ao esquife
distam cinquenta anos,
depois começa a morte.
Tornamo-nos imbecis, embrutecemos,
tornamo-nos labregos, desleixamo-nos
e os cabelos vão para o diabo.
Também os dentes damos por perdidos
e em vez de, em deleite,
apertarmos uma moça contra o peito,
lemos um livro de Goethe.

Mas uma vez mais, antes do fim,
quero ter uma dessas pequenas
de olhos claros e caracóis encrespados,
tomá-la nas minhas mãos,
beijar-lhe boca, seios e face,
despir-lhe saia e calcinhas.
E depois, em nome de Deus,
a morte pode levar-me. Ámen.

Hermann Hess

Foto:Gianni Candido

quinta-feira, agosto 10, 2006

Liberdade



"Liberdade - essa palavra
que o sonho humano alimenta:
que não há ninguém que explique,
e ninguém que não entenda!"


Cecília Meirelles

Foto:Eric Richmond

Estou além



Não consigo dominar
Este estado de ansiedade
A pressa de chegar
P'ra não chegar tarde

Não sei de que é que eu fujo
Será desta solidão
Mas porque é que eu recuso
Quem quer dar-me a mão

Vou continuar a procurar
A quem eu me quero dar
Porque até aqui eu só:
Quero quem eu nunca vi
Porque eu só quero quem
Quem não conheci
Porque eu só quero quem
Quem eu nunca vi
Porque eu só quero quem
Quem eu nunca conheci
Porque eu só quero quem
Quem eu nunca vi

Esta insatisfação
Não consigo compreender
Sempre esta sensação
Que estou a perder

Tenho pressa de sair
Quero sentir ao chegar
Vontade de partir
P'ra outro lugar

Vou continuar a procurar
O meu mundo
O meu lugar
Porque até aqui eu só:
Estou bem aonde não estou
Porque eu só quero ir
Aonde eu não vou
Porque eu só quero estar
Aonde não estou
Porque eu só estou bem
Aonde não estou.

António Variações

Foto:Stanmarek

Afectos



Fiquei a saber num destes fins-de-tarde
que se podia estar subnutrido de ternura
e afoguei-me no desânimo que me acenava do horizonte

Caiu-me uma pérola húmida do olhar
pensei apenas em guardar em mim
a saudade das carícias tecidas em silêncio

Não foi possível, acendeste-me o desejo dos teus dedos
apetecia-me beijar-te como quem afaga um charuto com os lábios
vendo subir aos céus o fumo do teu cio

Fiquei a saber numa destas noites de lua cheia
que se podia estar subnutrido de ternura
caiu-me uma pérola húmida do olhar

Apesar dos lobisomens
não se poderem dar ao luxo de cultivar mágoas
nas plantações do estio que passa

Apenas lhes é concedido o grato subterfúgio
de uivar nas trevas como quem urde um poema
às escondidas de Deus

Fiquei a saber numa destas manhãs de trovoada
que o teu corpo era feito de raios e coriscos
e que os teus pais não te deixavam fazer amor sozinha

Por terem medo
dos teus gritos de prazer
na hora de te sentires mulher

Mesmo assim fazias amor sozinha
dispensando-me o teu corpo
em marés de luz

Fiquei a saber numa destas madrugadas de fogo
que a ternura está guardada num baú
disfarçado de cofre à prova de sentimentos

Nessa mesma hora
senti o meu ser
a dissolver-se devagar

Ao longe, muito ao longe
lembro-me de ter sentido um arrepio na alma
como se tivesses pintado o teu sorriso no meu peito.

Luís Graça

Foto:Ira Bordo

quarta-feira, agosto 09, 2006

A mulher que passa



Meu Deus, eu quero a mulher que passa
Seu dorso frio é um campo de lírios
Tem sete cores nos seus cabelos
Sete esperanças na boca fresca!
Oh! como és linda, mulher que passas
Que me sacias e suplicias
Dentro das noites, dentro dos dias!

Teus sentimentos são poesia
Teus sofrimentos, melancolia.
Teus pelos leves são relva boa
Fresca e macia.
Teus belos braços são cisnes mansos
Longe das vozes da ventania.

Meu Deus, eu quero a mulher que passa!

Como te adoro, mulher que passas
Que vens e passas, que me sacias
Dentro das noites, dentro dos dias!
Por que me faltas, se te procuro?
Por que me odeias quando te juro
Que te perdia se me encontravas
E me encontrava se te perdias?

Por que não voltas, mulher que passas?
Por que não enches a minha vida?
Por que não voltas, mulher querida
Sempre perdida, nunca encontrada?
Por que não voltas à minha vida
Para o que sofro não ser desgraça?

Meu Deus, eu quero a mulher que passa!
Eu quero-a agora, sem mais demora
A minha amada mulher que passa!

Que fica e passa, que pacífica
Que é tanto pura como devassa
Que bóia leve como a cortiça
E tem raízes como a fumaça.

Vinícius de Moraes

Foto:René Asmussen

segunda-feira, agosto 07, 2006

Com um brilhozinho nos olhos



Com um brilhozinho nos olhos
e a saia rodada
escancaraste a porta do bar
trazias o cabelo aos ombros
passeando de cá para lá
como as ondas do mar
conheço tão bem esses olhos
e nunca me enganam
o que é que aconteceu, diz lá
é que hoje fiz um amigo
e coisa mais preciosa
no mundo não há

com um brilhozinho nos olhos
metemos o carro
muito à frente, muito à frente dos bois
ou seja, fizemos promessas
trocámos retratos
traçámos projectos a dois
trocámos de roupa, trocámos de corpo
trocámos de beijos, tão bom, é tão bom
e com um brilhozinho nos olhos
tocamos guitarra
p'lo menos a julgar p'lo som

e que é que foi que ele disse?
e que é que foi que ele disse?
hoje soube-me a pouco
hoje soube-me a pouco
hoje soube-me a pouco
hoje soube-me a pouco
passa aí mais um bocadinho
que estou quase a ficar louco
hoje soube-me a tanto
hoje soube-me a tanto
hoje soube-me a tanto
hoje soube-me a tanto
portanto
hoje soube-me a pouco

com um brilhozinho nos olhos
corremos os estores
pusemos a rádio no "on"
acendemos a já costumeira
velinha de igreja
pusemos no "off" o telefone
e olha, não dá para contar
mas sei que tu sabes
daquilo que sabes que eu sei
e com um brilhozinho nos olhos
ficamos parados
depois do que não te contei

com um brilhozinho nos olhos
dissemos, sei lá
o que nos passou pela tola
do estilo: és o "number one"
dou-te vinte valores
és um treze no totobola
e às duas por três
bebemos um copo
fizemos o quatro e pintamos o sete
e com um brilhozinho nos olhos
ficamos imóveis
a dar uma de "tête a tête"

e que é que foi que ele disse?
......... bis

e com um brilhozinho nos olhos
tentamos saber
para lá do que muito se amou
quem eramos nós
quem queríamos ser
e quais as esperanças
que a vida roubou
e olhei-o de longe
e mirei-o de perto
que quem não vê caras
não vê corações
e com um brilhozinho nos olhos
guardei um amigo
que é coisa que vale milhões

e que é que foi que ele disse?
....... bis

Sérgio Godinho

Foto:Sergey Ryzhkov

Tu tens um medo



Acabar.
Não vês que acabas todo o dia.
Que morres no amor.
Na tristeza.
Na dúvida.
No desejo.
Que te renovas todo dia.
No amor.
Na tristeza
Na dúvida.
No desejo.
Que és sempre outro.
Que és sempre o mesmo.
Que morrerás por idades imensas.
Até não teres medo de morrer.
E então serás eterno.
Não ames como os homens amam.
Não ames com amor.
Ama sem amor.
Ama sem querer.
Ama sem sentir.
Ama como se fosses outro.
Como se fosses amar.
Sem esperar.
Tão separado do que ama, em ti,
Que não te inquiete
Se o amor leva à felicidade,
Se leva à morte,
Se leva a algum destino.
Se te leva.
E se vai, ele mesmo...
Não faças de ti
Um sonho a realizar.
Vai.
Sem caminho marcado.
Tu és o de todos os caminhos.
Sê apenas uma presença.
Invisível presença silenciosa.
Todas as coisas esperam a luz,
Sem dizerem que a esperam.
Sem saberem que existe.
Todas as coisas esperarão por ti,
Sem te falarem.
Sem lhes falares.
Sê o que renuncia
Altamente:
Sem tristeza da tua renúncia!
Sem orgulho da tua renúncia!
Abre as tuas mãos sobre o infinito.
E não deixes ficar de ti
Nem esse último gesto!
O que tu viste amargo,
Doloroso,
Difícil,
O que tu viste inútil
Foi o que viram os teus olhos
Humanos,
Esquecidos...
Enganados...
No momento da tua renúncia
Estende sobre a vida
Os teus olhos
E tu verás o que vias:
Mas tu verás melhor...
... E tudo que era efêmero
se desfez.
E ficaste só tu, que é eterno.

Cecília Meireles

Foto:Joris Van Daele

domingo, agosto 06, 2006

My Lady Story



My lady story
My lady story

My lady story
Is one of annihilation
My lady story
Is one of breast amputation

My lady story
My lady story

I'm a hole in love
I'm a bride on fire
I am twisted
Into a starve of wire

My lady story
My lady story

Lie in road for you
And I've been your slave
My womb's an ocean full of
Grief and rage

My lady story
My lady story
My lady story
My lady story

And still you're coaxing me
To come on out and live
Well I'm a crippled dog
I've got nothing to give

My lady story
My lady story
My lady story
My lady story

I'm so broken babe
But I want to see
Some shining eye
Some of my beauty
My lostest beauty
My lostest beauty

Antony And The Johnsons

Foto:Pieter Van Hattem

Como uma ilha



Tu és todos os livros,
Todos os mares,
Todos os rios,
Todos os lugares.
Todos os dias,
Todo o pensamento,
Todas as horas
O teu corpo no vento.
Tu és todos os sábados,
Todas as manhãs,
Toda a palavra
Ancorada nas mãos.
Tu és todos os lábios,
Todas as certezas,
Todos os beijos
Desejos, princesa.

Como uma ilha,
Sozinha...

Prende-me em ti,
Agarra-me ao chão,
Como barcos em terra
Como fogo na mão,
Como vou esquecer-te,
Como vou eu perder-te,
Se me prendes em ti,
Agarra-me ao chão,
Como barcos em terra,
Como fogo na mão,
Como vou eu lembrar-te
Se a metade que parte
É a metade que tens.

Tu és todas as noites
Em todos os quartos,
Todos os ventos
Em todos os barcos.
Todos os dias
Em toda a cidade,
Ruas que choram
Mulheres de verdade.
Tu és só o começo
De todos os fins,
Por isso eu te peço
Fica perto de mim.
Tu és todos os sons
De todo o silêncio,
Por isso eu te espero
Te quero e te penso.

Pedro Abrunhosa

Foto:Sergey Ryzhkov