segunda-feira, outubro 31, 2005

Cristalizações



1.
Com palavras amo.
2.
Inclina-te como a rosa
só quando o vento passe.
3.
Despe-te
como o orvalho
na concha da manhã.
4.
Ama
como o rio sobe os últimos degraus
ao encontro do seu leito.
5.
Como podemos florir
ao peso de tanta luz?
6.
Estou de passagem:
ama o efémero.
7.
Onde espero morrer
será amanhã ainda?
de Ostinato Rigore

Eugénio de Andrade

Imagem daqui

Tu eres mi destino



Tu eres mi destino
y no te imaginas,
lo que y to bendigo
a Dios porque quiso
disponerlo así.

Tu eres mi destino
y no tengo miedo,
de afrontar contigo
las adversidades
en el porvenir.

Tú eres mi destino,
bendito destino
y si me ofrecieran
riquezas y glorias
renunciando a tí.

Si vacilaciones,
yo respondería.
Prefiero la muerte
a la gloria inútil
de vivir sin tí.

Letra e música:Carlos Gomes Barrera (tango)

Foto:Natascha

domingo, outubro 30, 2005

Palavras



Há palavras que nos beijam
Como se tivessem boca,
Palavras de amor, de esperança,
De imenso amor, de esperança louca.

Palavras nuas que beijas
Quando a noite perde o rosto,
Palavras que se recusam
Aos muros do teu desgosto.

De repente coloridas
Entre palavras sem cor,
Esperadas, inesperadas
Como a poesia ou o amor.

(O nome de quem se ama
Letra a letra revelado
No mármore distraído,
No papel abandonado)

Palavras que nos transportam
Aonde a noite é mais forte,
Ao silêncio dos amantes
Abraçados contra a morte.

Alexandre O'Neill

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PS1:Poema que me foi dado a conhecer pela T.

PS2:Mais uma vez, quem quiser pode ir aqui e deixar uma opinião.Obrigada.

sábado, outubro 29, 2005

Chuva



Hoje chove muito, muito,
e parece que estão lavando o mundo.
meu vizinho do lado contempla a chuva
e pensa em escrever uma carta de amor
uma carta à mulher que vive com ele
e cozinha para ele e lava a roupa para ele e faz amor com ele
e parece sua sombra
meu vizinho nunca diz palavras de amor à mulher
entra em casa pela janela e não pela porta
por uma porta se entra em muitos lugares
no trabalho, no quartel, no cárcere,
em todos os edifícios do mundo
mas não no mundo
nem numa mulher
nem na alma
quer dizer
nessa caixa ou nave ou chuva que chamamos assim
como hoje
que chove muito
e me custa escrever a palavra amor
porque o amor é uma coisa e a palavra amor é outra coisa
e somente a alma sabe onde os dois se encontram
e quando
e como
mas o que pode a alma explicar?
por isso meu vizinho tem tormentas na boca
palavras que naufragam
palavras que não sabem que há sol porque nascem e morrem na mesma noite em que amo/
e deixam cartas no pensamento que ele nunca escreverá
como o silêncio que há entre duas rosas
ou como eu
que escrevo palavras para voltar
ao meu vizinho que contempla a chuva
à chuva
ao meu coração desterrado.

Juan Gelman

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Vi ego a Dios



A los poetas del espanto,
y a los amigos de l'angustia.

Los vi escarbar, pintarse las uñas, y
tornarse grises, como madres lesbias que juegan
y fingen y se visten de maricas en
los ambitus del templo. Y sueñan y gulan,

eucaristían en una tarde gris de
luna semen: un eclipse de sol frente a las playas
oscuras, do miles de gaviotas, como copas
rotas, como niñas rotas, como madres

que han comenzado a podrirse en los espejos.
Los vi vomitar el prepucio de Dios, las muñecas de
Dios, los clavos, las astillas. Los vi sansebastiarse, los

vi befar, como madres que babean oscuras,
siniestras, supurando el Viernes Santo d'esasotras que
cantan oscuras...en los corredores infestadas.

Yván Silén

Foto:Rinaldo Hopf

sexta-feira, outubro 28, 2005

A un RuiSeñor



Canta en la noche, canta en la mañana,
ruiseñor, en el bosque tus amores;
canta, que llorará cuando tú llores
el alba perlas en la flor temprana.

Teñido el cielo de amaranta y grana,
la brisa de la tarde entre las flores
suspirará también a los rigores
de tu amor triste y tu esperanza vana.

Y en la noche serena, al puro rayo
de la callada luna, tus cantares
los ecos sonarán del bosque umbrío.

Y vertiendo dulcísimo desmayo,
cual bálsamo süave en mis pesares,
endulzará tu acento el labio mío.

José de Espronceda

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Fernando Pessoa



Teu canto justo que desdenha as sombras
Limpo de vida viúvo de pessoa
Teu corajoso ousar não ser ninguém
Tua navegação com bússola e sem astros
No mar indefinido
Teu exacto conhecimento impossessivo.

Criaram teu poema arquitectura
E és semelhante a um deus de quatro rostos
E és semelhante a um de deus de muitos nomes
Cariátide de ausência isento de destinos
Invocando a presença já perdida
E dizendo sobre a fuga dos caminhos
Que foste como as ervas não colhidas.

Sophia de Mello Breyner Andresen

Foto:Wind

quinta-feira, outubro 27, 2005

De correr mundo



De correr mundo as terras e os humanos
como paisagem que ante os olhos passa,
e às vezes percorrer umas e outros
nos breves intervalos entre duas viagens,
uma incerteza deixa que é diversa
da que se aprende no convívio longo:
quem se demora vê , sob as fachadas
ou as perspectivas de alta torre feitas,
um gesto em que se mostra uma outra vida,
ou troca frases que desnudam crua
o que de interno ser sob as fachadas vive;
mas quem só passa e mal aos outros toca
com mais que olhares ou fugidias vozes,
mais adivinha o que não é paisagem
mas dia a dia tão diverso dela
ou pelo menos para além ansioso.
Mas, se num caso a vida se conhece
e noutro caso nos conhece a nós,
por ambos aprendemos que do mundo
se vive o que não passa, ou se não vive
o que passando é só terras e gentes-
o conhecer, porem, não se conhece nunca.
Apenas resta a escolha. Antes, pois,
correr do mundo as terras e os humanos
que consumir-se alguém ao lado deles sempre.

Jorge de Sena

Imagem daqui

Nova Canção do Exílio



Minha amada tem palmeiras
Onde cantam passarinhos
e as aves que ali gorjeiam
em seus seios fazem ninhos
Ao brincarmos sós à noite
nem me dou conta de mim:
seu corpo branco na noite
luze mais do que o jasmim
Minha amada tem palmeiras
tem regatos tem cascata
e as aves que ali gorjeiam
são como flautas de prata
Não permita Deus que eu viva
perdido noutros caminhos
sem gozar das alegrias
que se escondem em seus carinhos
sem me perder nas palmeiras
onde cantam os passarinhos

Ferreira Gullar

Foto:Jean Vallette

quarta-feira, outubro 26, 2005

O cisne, quando sente ser chegada



O cisne, quando sente ser chegada
A hora que põe termo a sua vida,
Música com voz alta e mui subida
Levanta pela praia inabitada.

Deseja ter a vida prolongada
Chorando do viver a despedida;
Com grande saudade da partida,
Celebra o triste fim desta jornada.

Assim, Senhora minha, quando via
O triste fim que davam meus amores,
Estando posto já no extremo fio,

Com mais suave canto e harmonia
Descantei pelos vossos desfavores
La vuestra falsa fé y el amor mio.

Luís de Camões

Tela:Salvador Dali

O Poeta é a mãe das Armas



O Poeta é a mãe das armas
& das Artes em geral -
alô poetas: poesia
no país do carnaval;
alô, malucos: poesia
não tem nada a ver com os versos
dessa estação muito fria.


O Poeta é a mãe das Artes
& das armas em geral:
quem não inventa as maneiras
do corte no carnaval
(alô malucos), é traidor
da poesia: não vale nada, lodal.


A poesia é o pai das ar-
timanhas de sempre: quen-
tura no forno quente
do lado de cá, no lar
das coisas malditíssimas;
alô poetas: poesia!
poesia poesia poesia poesia!
o poeta não se cuida ao ponto
de não se cuidar: quem for cortar meu cabelo
já sabe: não está cortando nada
além de minha bandeira\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\=
sem aura nem baúra, sem nada mais para contar
isso: ar. ar. ar. ar. ar. ar. ar. ar. ar. ar. ar. ar. ar. ar. ar:
em primeiríssimo , o lugar.

poetemos pois.

Torquato Neto

Imagem daqui

Morre pintor austríaco



Hubert Aratym
Morreu em lugar nenhum
Pintor surrealista
O rosto-aquarela
Ou mesmo
Pintura rupestre
(Também
Nutria o hábito
De esculpir a própria
Semelhança)

Tinha o dom
Da ubiqüidade:
Seu corpo
Dividia
Em partes
Assimétricas
Enviando
Tronco
Membros
Pra Florença
E Veneza

Hubert Aratym
Também era fantoche
(Eis porquê
Sua morte
Está
Tão bem negada)
Acredite

Rodolfo Dantas

Tela:Hubert Aratym

terça-feira, outubro 25, 2005

Definição da moça



Como defini-la
quando está vestida
se ela me desbunda
como se despida?

Como defini-la
quando está desnuda
se ela é viagem
como toda nuvem?

Como desnudá-la
quando está vestida
se está mais despida
do quando nua?

como possuí-la
quando está desnuda
se ela é toda chuva?
se ela é toda vulva?

Ferreira Gullar

Foto:Jean Vallette

Estou vivo e escrevo sol



Eu escrevo versos ao meio-dia
e a morte ao sol é uma cabeleira
que passa em fios frescos sobre a minha cara de vivo
Estou vivo e escrevo sol
Se as minhas lágrimas e os meus dentes cantam
no vazio fresco
é porque aboli todas as mentiras
e não sou mais que este momento puro
a coincidência perfeita
no acto de escrever e sol
A vertigem única da verdade em riste
a nulidade de todas as próximas paragens
navego para o cimo
tombo na claridade simples
e os objectos atiram suas faces
e na minha língua o sol trepida
Melhor que beber vinho é mais claro
ser no olhar o próprio olhar
a maraviha é este espaço aberto
a rua
um grito
a grande toalha do silêncio verde.

António Ramos Rosa

Foto:Garry Winogrand

segunda-feira, outubro 24, 2005

Os comentários do haloscan assustaram-se:)



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Soneto dos Quartos de Aluguer



O amor é só de quem os olhos cerra
no desalmado momento da entrega.
Cerrai-vos, olhos meus, antes que cega
vos cegue a lucidez que nos faz guerra.

Cerrai-vos, olhos meus, que os indiscretos
são punidos com leis muito severas...
Cerrados, sentireis... que primaveras!
Abertos, que vereis senão objectos?

E que abjectos objectos! tão prosaicos!:
tapetes de aluguer com flor's manchadas;
entre os pés do biombo, continuadas
as tábuas do soalho por mosaicos...

...Sempre esse frio sórdido, a seguir
ao fogo em que nos qu'remos consumir!

David Mourão Ferreira

Foto:Alexander Paulin

domingo, outubro 23, 2005

Meditação sobre o declínio



Talvez seja melhor ficarmos longe,
descobrindo sozinhos os contornos
das coisas impassíveis e sem tempo:
a fachada da igreja que em granito
nunca se deu a homens ou a deuses,
gerada, nós sabemos, de pedreiras
e por mãos que morreram posta ali.
Mas os cedros talvez exijam menos,
os cedros que se elevam sobre a igreja:
contemplo-os para lá dos vidros, cedros
sem mais inquietações e sem perguntas
de quem se não contenta só consigo.
Porque ser-se sensato é ver as flores
irem a cor largando até os sonhos
se tornarem o fumo esmaecido
das nossas vidas, glória que foi lume
e que não mais lembramos, afastando
a tentação do tempo, a tentação
de sermos novamente anjos febris
à procura da fé no amor dos corpos
que nos tornava seres inscientes,
rodeados de coisas a nós alheias
e apenas nos servindo de cenário
a gestos que se gastam a si próprios.
E então ficam as flores a esvair-se
e cada um com seus rostos amados
perdidos na memória e com o peso
de enganos já vividos que o presente
não esquece e carrega em nossos ombros.
Alheemo-nos. Nada queiramos.
Digamos com o mestre que os poemas
foram cartas ridículas de amor,
e hoje um extemporâneo e vão delírio.
Nenhum outro destino nos convoca
se afinal o que sobra são poemas.
Quedemo-nos assim. Vês no horizonte
lívido o céu deserto que se assoma?
Não o temes, bem sei: mas concilia-te?
E as flores que se tornam mais presentes
na sua impossível duração,
vais como sempre amá-las? Ou será
uma graça que os anos levarão,
e a sua natureza, o teu desgosto? -
pergunto sem que espere uma resposta
porque sei o que digas não me acode.
Oxalá envelheças com doçura
e possas a teu modo ser feliz.

Nuno Demspter

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Cada árvore é um ser para ser em nós



Cada árvore é um ser para ser em nós
Para ver uma árvore não basta vê-la
a árvore é uma lenta reverência
uma presença reminiscente
uma habitação perdida
e encontrada
À sombra de uma árvore
o tempo já não é o tempo
mas a magia de um instante que começa sem fim
a árvore apazigua-nos com a sua atmosfera de folhas
e de sombras interiores
nós habitamos a árvore com a nossa respiração
com a da árvore
com a árvore nós partilhamos o mundo com os deuses.

António Ramos Rosa

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sábado, outubro 22, 2005

Discurso

Já que comecei com Cecília Meireles há um ano, continuo...:)
Espero que gostem, porque este blog não é só para meu prazer, é para todos os que gostam de poesia, é uma partilha



E aqui estou, cantando.

Um poeta é sempre irmão do vento e da água:
deixa seu ritmo por onde passa.

Venho de longe e vou para longe:
mas procurei pelo chão os sinais do meu caminho
e não vi nada, porque as ervas cresceram e as serpentes
andaram.

Também procurei no céu a indicação de uma trajetória,
mas houve sempre muitas nuvens.
E suicidaram-se os operários de Babel.

Pois aqui estou, cantando.

Se eu nem sei onde estou,
como posso esperar que algum ouvido me escute?

Ah! Se eu nem sei quem sou,
como posso esperar que venha alguém gostar de mim?


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E a festa continua:



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Don't worry, be happy

Um ano de blog

Faz hoje um ano que começou este Webclub.
Foi engendrado um mês antes numa brincadeira de idas ao wc.
Daí as iniciais.
Assim, passado um mês arranjei coragem e comecei o blog.
Antes, durante nove meses, limitei-me a comentar blogs.
Tenho de salientar, que para o começo deste blog, tive a ajuda psicológica e presente de amigos a quem muito devo.



Foi com este poema que tudo começou:

Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim magro, assim triste,
nem estes olhos tão vazios
nem o lábio amargo.

Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração
que nem se mostra.

Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
- Em que espelho ficou perdida
a minha face?

Cecília Meireles

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Então, quem quiser, que brinde comigo:



Imagem daqui

Agradeço a todos, que mesmo virtualmente me ajudam a manter este blog, o qual me dá muito prazer.

Aos que me ajudaram mais um grande bem haja e escuso de os enumerar, porque sabem quem são.
Um ano já está e passou rápido. O que virá a seguir, só os deuses sabem:)
Tchim, tchim!

sexta-feira, outubro 21, 2005

Bicarbonato de soda



Súbita, uma angústia...
Ah, que angústia, que náusea do estômago à alma!
Que amigos que tenho tido!
Que vazias de tudo as cidades que tenho percorrido!
Que esterco metafísico os meus propósitos todos!
Uma angústia,
Uma desconsolação da epiderme da alma,
Um deixar cair os braços ao sol-pôr do esforço...
Renego.
Renego tudo.
Renego mais do que tudo.
Renego a gládio e fim todos os Deuses e a negação deles.
Mas o que é que me falta, que o sinto faltar-me no estômago e na
circulação do sangue?
Que atordoamento vazio me esfalfa no cérebro?

Devo tomar qualquer coisa ou suicidar-me?
Não: vou existir. Arre! Vou existir.
E-xis-tir...
E--xis--tir ...

Meu Deus! Que budismo me esfria no sangue!
Renunciar de portas todas abertas,
Perante a paisagem todas as paisagens,

Sem esperança, em liberdade,
Sem nexo,
Acidente da inconseqüência da superfície das coisas,
Monótono mas dorminhoco,
E que brisas quando as portas e as janelas estão todas abertas!
Que verão agradável dos outros!

Dêem-me de beber, que não tenho sede!

Álvaro de Campos

Foto: Dylan Ricci

quinta-feira, outubro 20, 2005

Vi o repouso da noite vacilante



Vi o repouso da noite vacilante
e as formas materiais recém-nascidas
sem que alguma voz viesse assinalar
o poço de veludo e os imóveis declives.
Mas um arco vazio vibrava sobre a língua
como um local de vento encerrado entre as
águas.
As mãos respiravam e dedos de perfume
acariciavam as sombras. Ecos, imagens,
reflexos, eram uma só toalha de
murmúrios.
Um rosto puro desenhava-se numa árvore
imperturbável.
De astro em astro a noite amadurecia.
O corpo era um sol negro e um barco
incandescente.

António Ramos Rosa

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Às vezes com a pessoa a quem amo



Às vezes com a pessoa a quem amo
Fico cheio de raiva
Por medo de estar só eu dando amor
Sem ser retribuído;
Agora eu penso que não pode haver amor
Sem retribuição, que a paga é certa
De uma forma ou de outra.
(Amei certa pessoa ardentemente
e meu amor não foi correspondido,
mas foi daí que tirei estes cantos.)

Walt Whitman

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Confesso



Tenho oito teleclones,
dois em meu quarto,
na cozinha, no banheiro...
Minha secretária biónica
inventa recados
quando a solidão permanece em silêncio.

Não registro patentes
meu captador holográfico
copia átomos,
transmigro almas
escondidas
na massa cinzenta.

Projecto o aparelho,
réplica do
criador de mulheres
com ossos no peito.

Parafísico,
uso almofariz
e o silício do chip.
Pálpebras fechadas,
invento carne nas palmas,
calor do seio nos lábios
e o mundo desaba
em minha cabeça.

André Carneiro

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quarta-feira, outubro 19, 2005

Poema



Faz-se luz pelo processo
de eliminação de sombras
Ora as sombras existem
as sombras têm exaustiva vida própria
não dum e doutro lado da luz mas do próprio seio dela
intensamente amantes loucamente amadas
e espalham pelo chão braços de luz cinzenta
que se introduzem pelo bico nos olhos do homem

Por outro lado a sombra dita a luz
não ilumina realmente os objectos
os objectos vivem às escuras
numa perpétua aurora surrealista
com a qual não podemos contactar
senão como amantes
de olhos fechados
e lâmpadas nos dedos e na boca

Mário Cesariny

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Distância



Indiferencia del mundo
y de las cosas
hacia mí;
indiferencia mía
hacia el mundo y las cosas:
mutua correspondencia.

Transito
y caigo
de pie.

La misma puerta
entreabierta
en un desierto
marchito de sol.

La gaviota extraviada
en un espejismo de mar,
abre sus alas,
yerta,
sobre el vacío de las cosas.

Armando Rubio Huidobro

Imagem daqui

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A noite na ilha



Dormi contigo toda a noite
junto ao mar, na ilha.
Eras doce e selvagem entre o prazer e o sono,
entre o fogo e a água.

Os nossos sonos uniram-se
talvez muito tarde
no alto ou no fundo,
em cima como ramos que um mesmo vento agita,
em baixo como vermelhas raízes que se tocam.

O teu sono separou-se
talvez do meu
e andava à minha procura
pelo mar escuro
como dantes,
quando ainda não existias,
quando sem te avistar
naveguei a teu lado
e os teus olhos buscavam
o que agora
– pão, vinho, amor e cólera –
te dou às mãos cheias,
porque tu és a taça
que esperava os dons da minha vida.

Dormi contigo
toda a noite enquanto
a terra escura gira
com os vivos e os mortos,
e ao acordar de repente
no meio da sombra
o meu braço cingia a tua cintura.
Nem a noite nem o sono
puderam separar-nos.

Dormi contigo
e, ao acordar, tua boca,
saída do teu sono,
trouxe-me o sabor da terra,
da água do mar, das algas,
do âmago da tua vida,
e recebi teu beijo,
molhado pela aurora,
como se me viesse
do mar que nos cerca.

Pablo Neruda

Foto:Eric Kellerman

terça-feira, outubro 18, 2005

Ditty do primeiro desejo



Na manhã verde
Eu quis ser um coração.
Um coração.

E na noite madura
Eu quis ser um rouxinol.
Um rouxinol.

(alma,
gire orange-colored.
Alma,
gire a cor do amor.)

Na manhã vívida
Eu quis ser eu mesmo.
Um coração.

E na extremidade da noite
Eu quis ser minha voz.
Um rouxinol.

Alma,
gire orange-colored.
Alma,
gire a cor do amor.

Garcia Lorca

Imagem daqui

A mesa



Já que estamos aqui
todos nós
reunidos em torno desta mesa
por que não tocamos a nos mesmos
com todos os nossos orgãos sexuais?

(nossa boca, nossos dedos
nossos mamilos, nossos penis,
nossa vagina, nosso ânus,
nossos anos, nossos olhos,
nossos ossos?)

é porque não queremos
ou foi a mamãe
que nos disse que não?

já que estamos aqui
em volta desta mesa
por que não fazemos uma conspiração
para matar nossos pais
e depois tirar a roupa?
e por que aqui juntos
sentados nesta mesa
que pode ser uma esquina, uma
lanchonete, um
muro, uma escola
não aproveitamos nossa presença
e nos deseducamos?
(ai, brincaremos com coco
treparemos nos árvores
mexeremos nos nossos pintos
nas nossas xoxotas, faremos
poemas tortos, pularemos os
muros, falaremos errado
conjugaremos mal os verbos
veremos nossos pentelhos
crescerem ao vento juntos
com nossos seios
que são como a grama pontuda
brotando pela terra toda)

depois iremos à escola
não prá aprender o be-a-bá
nem que
M A R I A V I U A R O S A
pois o que viu maria
foi outra coisa

mas iremos prá libertar os professores
do guarda-pó
da lista de chamada
do saber do poder

e para fazermos uma grande algazarra
uma enorme farra
sobre a aritmética
sobre a gramática
já que estamos reunidos
em torno desta mesa
girando em torno do sol
por que não vamos revidar
todos os tapas, as palmadas
os castigos
e fazermos nossos pais
se revoltarem contra
o patrão, o padre, o presidente
o policial
e os edifícios da cidade?

reunidos em torno desta mesa
liberaríamos outro pobre adolescente
pregado na cruz
e que foi forçado a ter

o mais tirânico
o mais absoluto
o mais eterno
o mais opressor
de todos os pais

o pai supremo que nos vigia do céu
e dita ordens de existirmos
a nossa existência
que nos vigia no banheiro
quando nos masturbamos
e nos vigia na cama
quando trepamos

assim
tudo proposto
reunidos os esforços
sacudido o pó secular
feita a cabeça
nos aqui
em torno desta mesa

(para que a vida
antes de ser infância e
adolescência
doces
seja vida)

viraremos e destruiremos a mesa

Nicolau Flores

Imagem daqui

Caminante



Caminante, son tus huellas
el camino, y nada más;
caminante, no hay camino,
se hace camino al andar.
Al andar se hace camino,
y al volver la vista atrás
se ve la senda que nunca
se ha de volver a pisar.
Caminante, no hay camino,
sino estelas en la mar.

António Machado

Foto:Wind

Para o mfc, que referiu este poema num comentário.

segunda-feira, outubro 17, 2005

Quem vê, Senhora, claro e manifesto



Quem vê, Senhora, claro e manifesto
O lindo ser de vossos olhos belos,
Se não perder de vista só em vê-los,
Já não paga o que deve a vosso gesto.

Este me parecia preço honesto;
Mas eu, por de vantagem merecê-los,
Dei mais a vida e alma por querê-los,
Donde já não me fica mais de resto.

Assim que a vida e alma e esperança,
E tudo quanto tenho, tudo é vosso,
E o proveito disso eu só o levo.

Porque é tamanha bem-aventurança
O dar-vos quanto tenho e quanto posso,
Que, quanto mais vos pago, mais vos devo.

Luís de Camões

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Serenata



Pelas ribeiras do rio
está a noite a molhar-se
e nos peitos de Lolita
só de amor morrem os ramos.

Só de amor morrem os ramos.
A noite canta despida
sobre as pontes que tem Março.
Lolita lava o seu corpo
com água salgada e nardos.

Só de amor morrem os ramos.
A noite de anis e prata
rebrilha pelos telhados,
Prata de arroios e espelhos.
Anis de tuas coxas brancas.

Só de amor morrem os ramos.

Frederico García Lorca

Imagem daqui

Demian (fragmento)



" Y me contó la historia de un muchacho enamorado de una estrella. Adoraba a su estrella junto al mar, tendía sus brazos hacia ella, soñaba con ella y le dirigía todos sus pensamientos. Pero sabía o creía saber, que una estrella no podría ser abrazada por un ser humano. Creía que su destino era amar a una estrella sin esperanza; y sobre esta idea construyó todo un poema vital de renuncia y de sufrimiento silencioso y fiel que habría de purificarle y perfeccionarle. Todos sus sueños se concentraban en la estrella. Una noche estaba de nuevo junto al mar, sobre un acantilado, contemplando la estrella y ardiendo de amor hacia ella. En el momento de mayor pasión dió unos pasos hacia adelante y se lanzó al vacío, a su encuentro. Pero en el instante de tirarse pensó que era imposible y cayó a la playa destrozado. No había sabido amar. Si en el momento de lanzarse hubiera tenido la fuerza de creer firmemente en la realización de su amor, hubiese volado hacia arriba a reunirse con su estrella.
(...)
Las cosas que vemos son las mismas cosas que llevamos en nosotros. No hay más realidad que la que tenemos dentro. Por eso la mayoría de los seres humanos viven tan irrealmente; porque cree que las imágenes exteriores son la realidad y no permiten a su propio mundo interior manifestarse. Se puede ser muy feliz así, pero cuando se conoce lo otro, ya no se puede elegir el camino de la mayoría. "

Herman Hesse

Foto: José Marafona

Sonho



Era un niño que soñaba
un caballo de cartón.
Abrió los ojos el niño
y el caballito no vio.
Con un caballito blanco
el niño volvió a soñar;
y por la crin lo cogía...
¡ Ahora no te escaparás!
Apenas lo hubo cogido,
el niño se despertó.
Tenia el puño cerrado.
¡ El caballito voló!
Quedóse el niño muy serio
pensando que no es verdad
un caballito soñado.
Y ya no volvió a soñar.
Pero el niño se hizo mozo
y el mozo tuvo un amor,
y a su amada le decía:
¿ Tú eres de verdad o no?
Cuando el mozo se hizo viejo
pensaba: todo es soñar,
el caballito soñado
y el caballo de verdad.
Y cuando vino la muerte,
el viejo a su corazón
preguntaba: ¿ Tú eres sueño?
¡ Quién sabe si despertó!

António Machado

Imagem daqui

domingo, outubro 16, 2005

Quem és tu



Quem és tu que assim vens pela noite adiante,
Pisando o luar branco dos caminhos,
Sob o rumor das folhas inspiradas?
A perfeição nasce do eco dos teus passos,
E a tua presença acorda a plenitude
A que as coisas tinham sido destinadas.
A história da noite é o gesto dos teus braços,
O ardor do vento a tua juventude,
E o teu andar é a beleza das estradas.

Sophia de Mello Breyner

Foto:José Marafona

Besarse, mujer



Besarse, mujer,
al sol, es besarnos
en toda la vida.
Asciende los labios,
eléctricamente
vibrantes de rayos,
con todo el furor
de un sol entre cuatro.

Besarse a la luna,
mujer, es besarnos
en toda la muerte:
descienden los labios,
con toda la luna
pidiendo su ocaso,
del labio de arriba,
del labio de abajo,
gastada y helada
y en cuatro pedazos.

Miguel Hernández

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Ignoro o que seja a flor da água



Ignoro o que seja a flor da água
mas conheço o seu aroma:
depois das primeiras chuvas
sobe ao terraço,
entra nu pela varanda,
o corpo inda molhado
procura o nosso corpo e começa a tremer:
então é como se na sua boca
um resto de imortalidade
nos fosse dado a beber,
e toda a música da terra,
toda a música do céu fosse nossa,
até ao fim do mundo,
até amanhecer.
de Branco No Branco.

Eugénio de Andrade

Foto:Wilhelm von Gloeden

e

para Romero e Dizzie el sensual flamenco de Joaquin Cortez:))))



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Feios porcos e maus



Um bom filme, mas um pouco nojento:)

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Amizade



"Acima de tudo, na vida, temos necessidade de alguém que nos obrigue a realizar aquilo de que somos capazes. É este o papel da amizade."

Emerson

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sábado, outubro 15, 2005

Retrato do pronome possessivo



O meu é teu. O teu é meu
e o nosso é nosso quando posso
dizer que um dente nos cresceu
roendo o mal até ao osso.

O teu é nosso. O nosso é teu.
O nosso é meu. O meu é nosso
e tudo o mais que aconteceu
é uma amêndoa sem caroço.

Dizem que sou. Dizem que faço
que tenho braços e pescoço
- que é da cabeça que desfaço
que é dos poemas que eu não ouço?

O meu é teu. O teu é meu
e o nosso, nosso quando posso
e sem o ver galgar o fosso
e sem o ver galgar o fosso.

Ary dos Santos

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Sem Título



"... E de novo acredito que nada do que é importante se perde verdadeiramente. Apenas nos iludimos, julgando ser donos das coisas, dos instantes e dos outros. Comigo caminham todos os mortos que amei, todos os amigos que se afastaram, todos os dias felizes que se apagaram. Não perdi nada, apenas a ilusão de que tudo podia ser meu para sempre."

Miguel Sousa Tavares no enterro de sua mãe, Sophia de Mello Breyner Andresen

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sexta-feira, outubro 14, 2005

Conselhos de um velho apaixonado



Quando encontrar alguém e esse alguém fizer seu coração parar de funcionar
por alguns segundos, preste atenção: pode ser a pessoa mais importante da sua vida.
Se os olhares se cruzarem e, neste momento, houver o mesmo brilho intenso
entre eles, fique alerta: pode ser a pessoa que você está esperando desde o dia em que nasceu.
Se o toque dos lábios for intenso, se o beijo for apaixonante, e os olhos
se encherem dágua neste momento, perceba: existe algo mágico entre vocês.
Se o 1º e o último pensamento do seu dia for essa pessoa, se a vontade de
ficar juntos chegar a apertar o coração, agradeça: Algo do céu te mandou
um presente divino : O AMOR.
Se um dia tiverem que pedir perdão um ao outro por algum motivo e,em
troca, receber um abraço, um sorriso, um afago nos cabelos e os gestos
valerem mais que mil palavras, entregue-se: vocês foram feitos um pro outro.
Se por algum motivo você estiver triste, se a vida te deu uma rasteira e a
outra pessoa sofrer o seu sofrimento, chorar as suas Lágrimas e enxugá-las
com ternura, que coisa maravilhosa: você poderá contar com ela em qualquer
momento de sua vida.
Se você conseguir, em pensamento, sentir o cheiro da pessoa como se ela
estivesse ali do seu lado... Se você achar a pessoa maravilhosamente linda, mesmo ela estando de pijamas velhos, chinelos de dedo e cabelos emaranhados... Se você não consegue trabalhar direito o dia todo, ansioso
pelo encontro que está marcado para a noite...
Se você não consegue imaginar, de maneira nenhuma, um futuro sem a pessoa ao seu lado...
Se você tiver a certeza que vai ver a outra envelhecendo e, mesmo assim, tiver a convicção que vai continuar sendo louco por ela...
Se você preferir fechar os olhos, antes de ver a outra partindo: é o amor
que chegou na sua vida.
Muitas pessoas apaixonam-se muitas vezes na vida, mas poucas amam
ou encontram um amor verdadeiro. Às vezes encontram e, por não
prestarem atenção nesses sinais, deixam amor passar, sem deixá-lo acontecer
verdadeiramente. É o livre-arbítrio.
Por isso, preste atenção nos sinais.
Não deixe que as loucuras do dia-a-dia o deixem cego para a melhor
coisa da vida: O AMOR !!!
Ame muito.....muitíssimo.......

Carlos Drummond de Andrade

Foto:Fabio Chizzola

Epígrafe



De palavras não sei. Apenas tento
desvendar o seu lento movimento
quando passam ao longo do que invento
como pre-feitos blocos de cimento.

De palavras não sei. Apenas quero
retomar-lhes o peso a consciência
e com elas erguer a fogo e ferro
um palácio de força e resistência.

De palavras não sei. Por isso canto
em cada uma apenas outro tanto
do que sinto por dentro quando as digo.

Palavra que me lavra. Alfaia escrava.
De mim próprio matéria bruta e brava
- expressão da multidão que está comigo.

José Carlos Ary dos Santos

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quinta-feira, outubro 13, 2005

"Palavras..."


Foto:Wind


«Há palavras que nos beijam
Como se tivessem boca»



Foto tirada da net.


Alexandre O'Neill

Este post é dedicado a uma amiga , a "A." . Ela sabe quem é.
Os versos escolheu-os ela , mas roubei-os descaradamente:)
Coloquei as duas fotos porque sei que gosta do pôr do sol e também o bébé para me meter com ela:-)

Beijos***** A.

Quando eu morrer



Quando eu morrer, não digas a ninguém que foi por ti.
Cobre o meu corpo frio com um desses lençóis
que alagámos de beijos quando eram outras horas
nos relógios do mundo e não havia ainda quem soubesse
de nós; e leva-o depois para junto do mar, onde possa
ser apenas mais um poema - como esses que eu escrevia
assim que a madrugada se encostava aos vidros e eu
tinha medo de me deitar só com a tua sombra. Deixa

que nos meus braços pousem então as aves (que, como eu,
trazem entre as penas a saudades de um verão carregado
de paixões). E planta à minha volta uma fiada de rosas
brancas que chamem pelas abelhas, e um cordão de árvores
que perfurem a noite - porque a morte deve ser clara
como o sal na bainha das ondas, e a cegueira sempre
me assustou (e eu já ceguei de amor, mas não contes
a ninguém que foi por ti). Quando eu morrer, deixa-me

a ver o mar do alto de um rochedo e não chores, nem
toques com os teus lábios a minha boca fria. E promete-me
que rasgas os meus versos em pedaços tão pequenos
como pequenos foram sempre os meus ódios; e que depois
os lanças na solidão de um arquipélago e partes sem olhar
para trás nenhuma vez: se alguém os vir de longe brilhando
na poeira, cuidará que são flores que o vento despiu, estrelas
que se escaparam das trevas, pingos de luz, lágrimas de sol,
ou penas de um anjo que perdeu as asas por amor.

Maria do Rosário Pedreira

Foto:wind

quarta-feira, outubro 12, 2005

mono okeba soko ni umarenu aki no kage



Em qualquer lugar
Onde se deixem as coisas,
As sombras do outono.

Kyoshi

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