quinta-feira, setembro 29, 2005

O Rictus



Meu amor meu amor
gritar é proibido.
Por dentro do gemido
teremos de passar
como um nervo atingido
do movimento ao esgar.

Meu amor meu amor
sofrer é proibido
No tempo apodrecido
só podemos estar
mas sem outro sentido
senão o de acabar.

Meu amor meu amor
meu nó de sofrimento
minha nau de ternura
minha mó de tormento
este mar não tem cura este céu não tem ar
nós parámos o vento não sabemos nadar
e morremos nascemos
devagar devagar.

José Carlos Ary dos Santos

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quarta-feira, setembro 28, 2005

Blocos



É isto vivemos dentro
de grandes blocos de gelo
sem aquecermos ao menos
com os dedos outros dedos
No fundo de nós temendo
que um dia se quebre o gelo.

David Mourão-Ferreira

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terça-feira, setembro 27, 2005

Praia



Nesta praia à luz do luar
Vejo as estrelas
Penso em ti
Enquanto toco na areia.
Estendo a mão no ar
Faço o teu desenho.
As estrelas nos teus olhos,
O luar do teu corpo
Escorrego na areia
Mergulho em ti.

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Resposta ao desafio da Létinha, mas sem inspiração:)

segunda-feira, setembro 26, 2005

Poema do homem-rã



Sou feliz por ter nascido
no tempo dos homens-rãs
que descem ao mar perdido
na doçura das manhãs.
Mergulham, imponderáveis,
por entre as águas tranquilas,
enquanto singram, em filas,
peixinhos de cores amáveis.
Vão e vêm, serpenteiam,
em compassos de ballet.
Seus lentos gestos penteiam
madeixas que ninguém vê.

Com barbatanas calçadas
e pulmões a tiracolo,
roçam-se os homens no solo
sob um céu de águas paradas.

Sob o luminoso feixe
correm de um lado para outro,
montam no lombo de um peixe
como no dorso de um potro.

Onde as sereias de espuma?
Tritões escorrendo babugem?
E os monstros cor de ferrugem
rolando trovões na bruma?

Eu sou o homem. O Homem.
Desço ao mar e subo ao céu.
Não há temores que me domem
É tudo meu, tudo meu.

António Gedeão

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domingo, setembro 25, 2005

Amo o teu túmido candor de astro



Amo o teu túmido candor de astro
a tua pura integridade delicada
a tua permanente adolescência de segredo
a tua fragilidade acesa sempre altiva
Por ti eu sou a leve segurança de um peito
que pulsa e canta a sua chama
que se levanta e inclina ao teu hálito de pássaro
ou à chuva das tuas pétalas de prata
Se guardo algum tesouro não o prendo
porque quero oferecer-te a paz de um sonho aberto
que dure e flua nas tuas veias lentas
e seja um perfume ou um beijo um suspiro solar
Ofereço-te esta frágil flor esta pedra de chuva
para que sintas a verde frescura
de um pomar de brancas cortesias
porque é por ti que vivo é por ti que nasço
porque amo o ouro vivo do teu rosto.

António Ramos Rosa

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sábado, setembro 24, 2005

A um Deus branco



Mãe, nunca vi um anjo negro. Não há anjos negros, mãe?
Todos os anjos são brancos. Não há anjos como eu?
Olha, todas as asas são brancas. Como os anjos que estão no céu.
Mãe, eu nunca vou ter asas? Não há anjos como eu?
Mãe, não há meninos negros entre os anjos.
Onde estão os meninos negros anjos, mãe?
Mãe onde fica o nosso céu?
Queria ser um anjo, mãe.
Não posso … Não há anjos como eu.

Poema:Encandescente

Foto:Ognid

As pessoas sensíveis



As pessoas sensíveis não são capazes
De matar galinhas
Porém são capazes
De comer galinhas

O dinheiro cheira a pobre e cheira
À roupa do seu corpo
Aquela roupa
Que depois da chuva secou sobre o corpo
Porque não tinham outra
O dinheiro cheira a pobre e cheira
A roupa
Que depois do suor não foi lavada
Porque não tinham outra

"Ganharás o pão com o suor do teu rosto"
Assim nos foi imposto
E não:
"Com o suor dos outros ganharás o pão".

Ó vendilhões do templo
Ó construtores
Das grandes estátuas balofas e pesadas
Ó cheios de devoção e de proveito

Perdoai-lhes Senhor
Porque eles sabem o que fazem.

Sophia de Mello Breyner Andresen

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sexta-feira, setembro 23, 2005

Nas ervas



Escalar-te lábio a lábio,
percorrer-te: eis a cintura
o lume breve entre as nádegas
e o ventre, o peito, o dorso
descer aos flancos, enterrar

os olhos na pedra fresca
dos teus olhos,
entregar-me poro a poro
ao furor da tua boca,
esquecer a mão errante
na festa ou na fresta

aberta à doce penetração
das águas duras,
respirar como quem tropeça
no escuro, gritar
às portas da alegria,
da solidão.

porque é terrivel
subir assim às hastes da loucura,
do fogo descer à neve.

abandonar-me agora
nas ervas ao orvalho -
a glande leve.

Eugénio de Andrade

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quinta-feira, setembro 22, 2005

Canção de Outono



O outono toca realejo
No pátio da minha vida.
Velha canção, sempre a mesma,
Sob a vidraça descida...
Tristeza? Encanto? Desejo?
Como é possível sabê-lo?
Um gozo incerto e dorido
de carícia a contrapelo...
Partir, ó alma, que dizes?
Colhe as horas, em suma...
mas os caminhos do Outono
Vão dar em parte alguma!

Mário Quintana

Foto:Ognid

O burguês



A gravata de fibra como corda
amarrada à camisa mal suada
um estômago senil que só engorda
arrotando riqueza acumulada.

Uma espécie de polvo com açorda
de comida cem vezes mastigada
de cadeira de braços baixa e gorda
de cómoda com perna torneda.

Um baú de tolice. Uma chatice
com sorriso passado a purpurina
e olhos de pargo olhando a revés.

Para dizer quem é basta o que disse
É uma besta humana que rumina
é um filho da puta é um burguês.

Ary dos Santos

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quarta-feira, setembro 21, 2005

De volta pró meu aconchego



Estou de volta pro meu aconchego
Trazendo na mala bastante saudade
Querendo
Um sorriso sincero, um abraço,
Para aliviar meu cansaço
E toda essa minha vontade
Que bom,
Poder tá contigo de novo,
Roçando o teu corpo e beijando você,
Prá mim tu és a estrela mais linda
Seus olhos me prendem, fascinam,
A paz que eu gosto de ter.
É duro, ficar sem você
Vez em quando
Parece que falta um pedaço de mim
Me alegro na hora de regressar
Parece que eu vou mergulhar
Na felicidade sem fim

Canta:Elba Ramalho

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Uma voz na pedra



Não sei se respondo ou se pergunto.
Sou uma voz que nasceu na penumbra do vazio.

Estou um pouco ébria e estou crescendo numa pedra.
Não tenho a sabedoria do mel ou a do vinho.
De súbito, ergo-me como uma torre de sombra fulgurante.
A minha tristeza é a da sede e a da chama.
Com esta pequena centelha quero incendiar o silêncio.
O que eu amo não sei. Amo. Amo em total abandono.
Sinto a minha boca dentro das árvores e de uma oculta nascente.
Indecisa e ardente, algo ainda não é flor em mim.
Não estou perdida, estou entre o vento e o olvido.
Quero conhecer a minha nudez e ser o azul da presença.
Não sou a destruição cega nem a esperança impossível.
Sou alguém que espera ser aberto por uma palavra.

António Ramos Rosa

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terça-feira, setembro 20, 2005

O Poeta



Trabalha agora na importação
e exportação. Importa
metáforas, exporta alegorias.
Podia ser um trabalhador
por conta própria,
um desses que preenche
cadernos de folha azul com
números
de deve e haver. De facto, o que
deve são palavras; e o que tem
é esse vazio de frases que lhe
acontece quando se encosta
ao vidro, no inverno, e a chuva cai
do outro lado. Então, pensa
que poderia importar o sol
e exportar as nuvens.
Poderia ser
um trabalhador do tempo. Mas,
de certo modo, a sua
prática confunde-se com a de um
escultor do movimento. Fere,
com a pedra do instante, o que
passa a caminho
da eternidade;
suspende o gesto que sonha o céu;
e fixa, na dureza da noite,
o bater de asas, o azul, a sábia
interrupção da morte.

Nuno Júdice

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Gargalhada



Homem vulgar! Homem de coração mesquinho!
Eu te quero ensinar a arte sublime de rir.
Dobra essa orelha grosseira, e escuta
o ritmo e o som da minha gargalhada:

Ah! Ah! Ah! Ah!
Ah! Ah! Ah! Ah!

Não vês?
É preciso jogar por escadas de mármores baixelas de ouro.
Rebentar colares, partir espelhos, quebrar cristais,
vergar a lâmina das espadas e despedaçar estátuas,
destruir as lâmpadas, abater cúpulas,
e atirar para longe os pandeiros e as liras...

O riso magnífico é um trecho dessa música desvairada.

Mas é preciso ter baixelas de ouro,
compreendes?
— e colares, e espelhos, e espadas e estátuas.
E as lâmpadas, Deus do céu!
E os pandeiros ágeis e as liras sonoras e trêmulas...

Escuta bem:

Ah! Ah! Ah! Ah!
Ah! Ah! Ah! Ah!

Só de três lugares nasceu até hoje essa música heróica:
do céu que venta,
do mar que dança,
e de mim.

Cecília Meireles

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segunda-feira, setembro 19, 2005

No fundo aberto



Escrevo-te enquanto algo resvala, acaricia, foge
e eu procuro tocar-te com as sílabas do repouso
como se tocasse o vento ou só um pássaro ou uma folha.
Chegaste comigo ao fundo aberto sob um céu marinho,
sobre o qual se desenham as nuvens e as árvores.
Estamos na aurícola do coração do mundo.
O que perdemos ganhamo-lo na ondulação da terra.
Tudo o que queremos dizer sai dos lábios do ar
e é a felicidade da língua vegetal
ou a cabeça leve que se inclina para o oriente.
Ali tocamos um nó, uma sílaba verde, uma pedra de sangue
e um harmonioso astro se eleva como uma espádua fulgurante
enquanto um sopro fresco passa sobre as luzes e os lábios.

António Ramos Rosa

Imagem daqui

Mas há a Vida



Mas há a vida
que é para ser
intensamente vivida,
há o amor.
Que tem que ser vivido
até a última gota.
Sem nenhum medo.
Não mata.

Clarice Lispector

Foto:Dennis Mecham

domingo, setembro 18, 2005

Poesia



Se todo o ser ao vento abandonamos
E sem medo nem dó nos destruímos,
Se morremos em tudo o que sentimos
E podemos cantar, é porque estamos
Nus em sangue, embalando a própria dor
Em frente às madrugadas do amor.
Quando a manhã brilhar refloriremos
E a alma possuirá esse esplendor
Prometido nas formas que perdemos.

Aqui, deposta enfim a minha imagem,
Tudo o que é jogo e tudo o que é passagem.
No interior das coisas canto nua.

Aqui livre sou eu — eco da lua
E dos jardins, os gestos recebidos
E o tumulto dos gestos pressentidos
Aqui sou eu em tudo quanto amei.

Não pelo meu ser que só atravessei,
Não pelo meu rumor que só perdi,
Não pelos incertos atos que vivi,

Mas por tudo de quanto ressoei
E em cujo amor de amor me eternizei.

Sophia de Mello Breyner Andresen

Foto:Paul Bolk

Ecloga



Sonhei
contigo embora nenhum sonho
possa ter habitantes, tu a quem chamo
amor, cada ano pudesse trazer
um pouco mais de convicção a
esta palavra. É verdade o sonho
poderá ter feito com que, nesta
rarefacção de ambos, a tua presença se
impusesse - como se cada gesto
do poema te restituísse um corpo
que sinto ao dizer o teu nome,
confundindo os teus
lábios com o rebordo desta chávena
de café já frio. Então, bebo-o
de um trago o mesmo se pode fazer
ao amor, quando entre mim e ti
se instalou todo este espaço -
terra, água, nuvens, rios e
o lago obscuro do tempo
que o inverno rouba à transparência
da fontes. É isto, porém, que
faz com que a solidão não seja mais
do que um lugar comum saber
que existes, aí, e estar contigo
mesmo que só o silêncio me
responda quando, uma vez mais
te chamo.

Nuno Júdice

Foto:Dennis Mecham

sábado, setembro 17, 2005

Tédio



E depois...
Depois há o dia que nasce mesmo que eu não queira
A luz que entra pela janela e devassa a cama desfeita
Os olhos de ontem no espelho que não olho
O tédio, o aborrecimento
Que engulo com o café e inalo no cigarro
(Os dois primeiros).
A maçada de ser sempre a mesma
A mesma cara, o mesmo corpo, os mesmos gestos
(Amanhã visto-me de roxo).
As mesmas saudações de ontem ditas a quem passa
E nem conheço
E mal passa é passado
(Amanhã mando todos à merda).
O atravessar a passadeira para o lado da tarde
No mesmo sitio à mesma hora
(Amanhã atravesso mais acima onde não há passadeira).
Carregar a tarde esperando que o sol desça
E mergulhe na linha sem horizonte que me devolve ao escuro
E à cama desfeita e sem luz, que me espera
E onde deito corpo, tédio e desejos de mudança.

Poema: Encandescente

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I Am What I Am



I am what I am
I am my own special creation
So come take a look
Give me the hook
Or the ovation
It's my world
That I want to have a little pride
My world
And it's not a place I have to hide in
Life's not worth a dam
Till I can say
I am what I am

I am what I am
I don't want praise
I don't want pity
I bang my own drum
Some think it's noise
I think it's pretty
And so what if I love each sparkle and each bangle
Why not see things from a different angle
Your life is a shame
Till you can shout out
I am what I am


I am what I am
And what I am needs no excuses
I deal my own deck
Sometimes the aces sometimes the deuces
It's one life and there's no return and no deposit
One life so it's time to open up your closet
Life's not worth a dam till you can shout out
I am what I am

I am what I am

I am what I am
And what I am needs no excuses
I deal my own deck sometimes the aces sometimes the deuces
It's one life and there's no return and no deposit
One life so it's time to open up your closet
Life's not worth a dam till you can shout out
I am what I am

I am I am I am good
I am I am I am strong
I am I am I am worthy
I am I am I belong
I am
I am
Who whoooo etc.
I am

I am I am I am useful
I am I am I am true
I am I am somebody
I am as good as you

Yes I am

Canta:Gloria Gaynor

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sexta-feira, setembro 16, 2005

Quero escrever o borrão vermelho de sangue



Quero escrever o borrão vermelho de sangue
com as gotas e coágulos pingando
de dentro para dentro.
Quero escrever amarelo-ouro
com raios de translucidez.
Que não me entendam
pouco-se-me-dá.
Nada tenho a perder.
Jogo tudo na violência
que sempre me povoou,
o grito áspero e agudo e prolongado,
o grito que eu,
por falso respeito humano,
não dei.

Mas aqui vai o meu berro
me rasgando as profundas entranhas
de onde brota o estertor ambicionado.
Quero abarcar o mundo
com o terremoto causado pelo grito.
O clímax de minha vida será a morte.

Quero escrever noções
sem o uso abusivo da palavra.
Só me resta ficar nua:
nada tenho mais a perder.

Clarice lispector

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quinta-feira, setembro 15, 2005

Back At One



Its undeniable...that we should be together...
Its unbelievable how I used to say that I found in her...
The places you need to know, if you don't know just how I feel,
Then let me show you now that I'm for real...
If all things in time, time will reveal...
Yeah...

One...your like a dream come true...
Two... just wanna be with you...
Three... girl its plain to see...
that your the only one for me...and..
Four...repeat steps one through three...
Five... make you fall in love with me...
If ever I believe our work is done....
then I start back at one.(yeah)

É impossivel, fingir que posso controlar
O que estou sentindo, é muito forte pra negar
Pra que resistir, se sei que voce tambem quer
Sabe que eu nao vou seguir sozinha
Voce tem a chave do meu coração

One..você é meu sonho bom
Two..eu quero ter voce pra mim
Three..por muito tempo lhe esperei..
preciso ouvir dizer você sim
Four..se quer eu posso repetir
Five..o que eu te disse até aqui
A qualquer preço eu quero o seu amor..
só serei feliz assim

Say farewell to the dark night...I see the coming of the sun...
Eu quero estar ao seu lado baby, pra recomeçar
You came and bring the life...
Into this lonely heart of mine...
Vou seguir feliz
just in the nick of time.....

One...um sonho bom
Two... just wanna be with you
Three... por muito tempo lhe esperei..
preciso ouvir voce dizer sim
Four...repeat steps one to three
Five... make you fall in love with me

If ever I believe our work is done....

Cantam:Brian Mcknight e Ivete Sangalo

Foto:Paul Bolk

Porque não soube merecer



Porque não soube merecer a glória, a mais suave
de me deitar a teu lado
e que o sangue a palavra
abolisse a diferença entre o meu corpo e a minha voz
porque te perdi
não sei quem sou.

António Ramos Rosa

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quarta-feira, setembro 14, 2005

Encantamento



Vi as mulheres
azuis do equinócio
voarem como pássaros cegos; e os seus corpos
sem asas afogarem-se, devagar, nos lagos
vulcânicos. Os seus lábios vomitavam o fogo
que traziam de uma infância de magma
calcinado. A água ficava negra, à sua volta;
e os ramos das plantas submersas pelas chuvas
primaveris abraçavam-nas, puxando-as num
estertor de imagens. Tapei-as com o cobertor
do verso; estendi-as na areia grossa
da margem, vendo as cobras de água fugirem
por entre os canaviais. Espreitei-lhes
o sexo por onde escorria o líquido branco
de um início. Pude dizer-lhes que as amava,
abraçando-as, como se estivessem vivas; e
ouvi um restolhar de crianças por entre
os arbustos, repetindo-me as frases com uma
entoação de riso. Onde estão essas mulheres?
Em que leito de rio dormem os seus corpos,
que os meus dedos procuram num gesto
vago de inquietação? Navego contra a corrente;
procuro a fonte, o silêncio frio de uma génese.

Nuno Júdice

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terça-feira, setembro 13, 2005

Lusitana Paixão



Fado
Chorar a tristeza bem
Fado adormecer com a dor
Fado só quando a saudade vem
Arrancar do meu passado
Um grande amor

Mas
Não condeno essa paixão
Essa mágoa das palavras
Que a guitarra vai gemendo também
Eu não, eu não pedirei perdão
Quando gozar o pecado
E voltar a dar a mim
Porque eu quero ser feliz
E a desdita não se diz
Não quero o que o fado quer dizer

Fado
Soluçar recordações
Fado
Reviver uma tal dor
Fado
Só quando a saudade vem
Arrancar do meu passado um grande amor

Mas não conceno essa paixão
Essa mágoa das palavras
Que a guitarra vai gemendo também
Eu não, eu não pedirei perdão
Quando gozar o pecado
E voltar a dar a mim
Eu sei desse lado que há em nós
Cheio de alma lusitana
Como a lenda da Severa
Porque eu quero ser feliz
E a desdita não se diz
O fado
Não me faz arrepender

Letra:José da Ponte; Fred Micaelo
Música:José da Ponte; Jorge Quintela
Canta:Dulce Pontes

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Mar, Mar e Mar



Tu perguntas, e eu não sei,
eu também não sei o que é o mar.

É talvez uma lágrima caída dos meus olhos
ao reler uma carta, quando é de noite.
Os teus dentes, talvez os teus dentes,
miúdos, brancos dentes, sejam o mar,
um mar pequeno e frágil,
afável, diáfano,
no entanto sem música.

É evidente que minha mãe me chama
quando uma onda e outra onda e outra
desfaz o seu corpo contra o meu corpo.
Então o mar é carícia,
luz molhada onde desperta
meu coração recente.

Às vezes o mar é uma figura branca
cintilando entre os rochedos.
Não sei se fita a água
ou se procura
um beijo entre conchas transparentes.

Não, o mar não é nardo nem açucena.
É um adolescente morto
de lábios abertos aos lábios da espuma.
É sangue,
sangue onde outra luz se esconde
para amar outra luz sobre as areias.

Um pedaço de lua insiste,
insiste e sobe lenta arrastando a noite.
Os cabelos de minha mãe desprendem-se,
espalham-se na água,
alisados por uma brisa
que nasce exactamente no meu coração.
O mar volta a ser pequeno e meu,
anémona perfeita, abrindo nos meus dedos.

Eu também não sei o que é o mar.
Aguardo a madrugada, impaciente,
os pés descalços na areia.

Eugénio de Andrade

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segunda-feira, setembro 12, 2005

Complicações idiomáticas



É verdade matemática
Que ninguém podi negá
Que essa história de gramática
Só serve pra atrapaiá

Inda vem língua estrangera
Ajudá a compricá
Meió nóis cabá cum isso
Pra todos podê falá.

Na Ingraterra ouví dizê
Que um pé de sapato é xu
Desde logo já se vê
Dois pé de sapato é xuxu

Xuxu pra nois é legume
É verdade e não boato
O ingrês que lá se arrume
Mas nóis num come sapato.

Na Itália ouví dizê
Eu não sei porque razão
Que manteiga lá é burro
Lá se passa burro no pão

Desse jeito pra mim chega
Sarve o povo do sertão
Onde manteiga é manteiga
Nóis num come burro não.

Na América corpo é bódi
Veja que bódi vai dá
Conhecí uma americana
Doida pro bódi entregá

Fiquei meio atrapaiado
E disse pra me escapá
Oia moça eu não sou cabra
Chega seu bódi pra lá.

No Chile cueca é dança
Pra se dançá e bailá
Lá se dança e baila cueca
Até a noite acabá

Mas se um dia um chileno
Vié pro Brasil dançá
Tente mostrá a cueca
Pra vê onde vai pará.

Uma gravata esquisita
Um certo francês me deu
Perguntei onde se bota
Acho que num entendeu

Me danei com a resposta
Isso é coisa eu que não faço
Seu francês mal educado
Mete a gravata no seu.

(Autor desconhecido)

P.S.:Recebido por e-mail

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A Perfeição



O que me tranqüiliza
é que tudo o que existe,
existe com uma precisão absoluta.

O que for do tamanho de uma cabeça de alfinete
não transborda nem uma fração de milímetro
além do tamanho de uma cabeça de alfinete.

Tudo o que existe é de uma grande exatidão.
Pena é que a maior parte do que existe
com essa exatidão
nos é tecnicamente invisível.

O bom é que a verdade chega a nós
como um sentido secreto das coisas.

Nós terminamos adivinhando, confusos,
a perfeição.

Clarice Lispector

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domingo, setembro 11, 2005

Carta no caminho



Adeus, porém comigo serás, sempre irás dentro
de uma gota de sangue que circule em minhas veias ou fora,
beijo que me abrasa o rosto ou cinturão de fogo na cintura.
Doce minha, recebe o grande amor que me saiu da vida e que em ti não achava
território como o explorador perdido nas ilhas do pão e do mel.
Eu te encontrei depois da tormenta, a chuva lavou o ar,
na água, teus doces pés brilharam como peixes.
Adorada, me vou a meus combates.
Arranharei a terra para te fazer uma cova e ali teu Capitão te esperará com
flores sobre o leito. Não penses mais, amada,
no tormento que passou entre nós dois como um raio de fósforo nos deixando talvez,
a queimadura.
A paz chegou também porque regresso à luta em minha terra,
e como tenho o coração completo com a parte do sangue que me deste para sempre,
e como levo minhas mãos cheias do teu ser desnudo,
olha-me, pelo mar, que vou radiante, olha-me pela noite que navego,
e o mar e a noite, amor, serão os teus olhos.
Eu não saio de ti quando me afasto.
Agora vou te contar: vai ser tua a minha terra, vou conquistá-la,
não só para te dar, mas para dar a todos, para todo o meu povo.
Um dia o ladrão deixará a sua torre, e o invasor será expulso.
E todos os frutos da vida crescerão em minhas mãos acostumadas antes à pólvora.
E saberei acariciar as novas flores porque tu me ensinaste o que é ternura.
Doce minha, adorada, virás comigo lutar corpo a corpo,
porque em meu coração vivem teus beijos como bandeiras rubras,
e se caio, não só me recobrirá a terra, também o grande amor que me trouxeste,
que viveu circulando por meu sangue. Virás comigo,
e nessa hora te espero, nessa hora e em todas as horas,
em todas as horas te espero.

E quando venha a tristeza que odeio a golpear a tua porta,
diz a ela que te espero, e quando a solidão queira que mudes esse anel em que está meu nome escrito,
diz pra solidão falar comigo, que eu precisei partir porque sou um soldado,
e que ali onde eu estou, sob a chuva ou sob o fogo, amor meu, te espero.
Te espero no deserto mais duro e junto do limoeiro florescido,
em qualquer lugar onde esteja a vida, onde esteja nascendo a primavera, amor meu, te espero. (...)

Pablo Neruda

Imagem daqui Salvador Allende

P.S.:Faz hoje 32 anos que Pinochet tomou o poder no Chile e fez as atrocidades que fez!

P.S.2:Faz hoje também anos que as Torres gémeas se foram.



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sábado, setembro 10, 2005

O verão deixa-me os olhos mais lentos sobre os livros



O verão deixa-me os olhos mais lentos sobre os livros.
As tardes vão-se repetindo no terraço, onde as palavras
são pequenos lugares de memória. Estou divorciada dos
outros pelo tempo destas entrelinhas - longe de casa,
tenho sonhos que não conto a ninguém, viro devagar

a primeira página: em fevereiro, eles ainda faziam amor
à sexta-feira. De manhã, ela torrava pão e espremia
laranjas numa cozinha fria. Havia mais toalhas para lavar
ao domingo, cabelos curtos colados teimosamente ao espelho.
Às vezes, chovia e ambos liam o jornal, dentro do carro,
antes de se despedirem. As vezes, repartiam sofregamente
a infância, postais antigos, o silêncio - nada

aconteceu entretanto. Regresso, pois, à primeira linha,
à verdade que remexe entre as minhas mãos. Talvez os olhos
estivessem apenas desatentos sobre o livro; talvez as histórias
se repitam mesmo, como as tardes passadas no terraço, longe
de casa. Aqui tenho sonhos que não conto a ninguém.

Maria do Rosário Pedreira

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sexta-feira, setembro 09, 2005

Barco negro



De manhã com medo que me achasses feia!
Acordei tremendo deitada na areia
mas logo os teus olhos disseram que não
e o sol penetrou no meu coração

Vi depois numa rocha uma cruz
e o teu barco negro dançava na luz
vi teu braco acenando entre as velas já soltas
dizem as velhas da praia que não voltas
são loucas, são loucas
eu sei meu amor nem chegaste a partir
tudo em meu redor
me diz que 'stas sempre comigo
No vento que lança areia nos vidros
na água que canta no fogo mortiço
no calor do leito nos bancos vazios
no meu próprio peito 'stas sempre comigo!

David Mourão-Ferreira

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Nunca mais chove:)



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quinta-feira, setembro 08, 2005

É tão ténue o fio



É tão ténue o fio do pensamento
Tentar capturar um. Percorrê-lo.
Exige esforço.Fechar. Concentração.
Sinto-o por vezes chegar
Distingo a forma, o contorno
A sinuosidade.
Entro no círculo do pensamento que capturei
E fechando-o. Fecho-me em mim.
Escrever é isso
Capturar pensamentos
Ser solitária no meio da multidão.
Seguir o pensamento
É afastar dos outros.
Escrevê-lo, transmiti-lo
É o aproximar
O estender a mão.

Poema: Encandescente

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Paulo José Miranda



"Mas o vazio das vinte e quatro horas preenche-se sempre tão pouco
que ninguém tem coragem de perdoar ao outro tê-lo deixado de amar
trazias uma vírgula no coração e o cabelo de modo a mostrar a arma do rosto."

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quarta-feira, setembro 07, 2005

Citações de Gabriel Garcia Marques



- Te amo não por quem tu és, se não por quem sou quando estou contigo.

-Nenhuma pessoa merece tuas lágrimas, e quem as mereça não te farão chorar.

- Só porque alguém não te ama como tu desejas, não significa que não te ame com todo seu ser.

- Um verdadeiro amigo é quem te pega da mão e te toca o coração.

- A pior forma de sentir falta de alguém é estar sentado a seu lado e saber que nunca o poderás ter.

- Nunca deixes de sorrir, nem mesmo quando estejas triste porque nunca sabes quem poderá enamorar-se de teu sorriso.

- Podes ser somente uma pessoa para o mundo, mas para alguma pessoa tu és o mundo.

- Não passes o tempo com alguém que não esteja disposto a passá-lo contigo.

- Quem sabe Deus queira que conheças muita gente enganada antes de que conheças à pessoa adequada, para que quando no fim a conheças , saibas estar agradecido.

- Não chores porque já terminou, sorria porque aconteceu.

- Sempre haverá gente que te machuque, assim, o que tens de fazer é seguir confiando e só ser mais cuidadoso com em quem confias duas vezes.

- Converte-te em uma melhor pessoa e assegura-te de saber quem és antes de conhecer mais alguém e esperar que essa pessoa saiba quem és.

- Não te esforces tanto, as melhores coisas acontecem quando menos esperas.

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Já não há idades



Ao fim de tanto andar
Ponho-me a pensar
E estou certo que valeu a pena

Tanto eu quis fazer
Que andei sempre a correr
E tornei a vida mais pequena

Se tudo consegui
Estou ou não aqui
A representar a mesma cena

Mas ficou tanto por dizer
E eu não vou deixar esquecer

Já não há idades para viver e para sonhar
Em qualquer idade vou saber recomeçar

Já não há idades para viver e para sonhar
Em qualquer idade vou saber recomeçar

E agora vou aproveitar
O tempo todo que faltar

Já não há idades para viver e para sonhar
Em qualquer idade vou saber recomeçar

Já não há idades para viver e para sonhar
Em qualquer idade vou saber recomeçar

Já não há idades para viver...
Em qualquer idade pode ser...

Polo Norte

Foto:Ognid

terça-feira, setembro 06, 2005

O Silêncio



Dos corpos esgotados que silêncio
tão apaziguador se levantava!
(Tinha uma rosa triste nos cabelos,
uma sombra na túnica de luz...)
Para o fundo das almas caminhava,
devagar, o sonâmbulo silêncio.
(Que apertados anéis nos braços nus!)
Mas o silêncio vinha desprendê-los.

David Mourão Ferreira

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segunda-feira, setembro 05, 2005

A Lucidez Perigosa



Estou sentindo uma clareza tão grande
que me anula como pessoa actual e comum:
é uma lucidez vazia, como explicar?
assim como um cálculo matemático perfeito
do qual, no entanto, não se precise.
Estou por assim dizer
vendo claramente o vazio.
E nem entendo aquilo que entendo:
pois estou infinitamente maior que eu mesma,
e não me alcanço.
Além do que:
que faço dessa lucidez?
Sei também que esta minha lucidez
pode-se tornar o inferno humano
- já me aconteceu antes.
Pois sei que
- em termos de nossa diária
e permanente acomodação
resignada à irrealidade -
essa clareza de realidade
é um risco.
Apagai, pois, minha flama, Deus,
porque ela não me serve
para viver os dias.
Ajudai-me a de novo consistir
dos modos possíveis.
Eu consisto,
eu consisto,
amém.

Clarice Lispector

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Avarento



Puxando um avarento de um pataco
para pagar a tampa de um buraco
que tinha já nas abas do casaco,
levanta os olhos, vê o céu opaco,
revira-os fulo e dá com um macaco
defronte, numa loja de tabaco,
que lhe fazia muito mal ao caco!
Diz ele então
na força da paixão:
- Há casaco melhor que aquela pele?
Trocava o meu casaco por aquele...
e até a mim... por ele.
Tinha razão
quanto a mim.
Quem não tem coração,
quem não tem alma de satisfazer
as niquices da civilização
homem não deve ser:
seja saguim,
que escusa tanga, escusa langotim.
Vá para os matos;
já não sofre tratos
a calçar as botas, a comprar sapatos.
Viva nas tocas como os nossos ratos
e coma cocos, que são mais baratos!

João de Deus

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domingo, setembro 04, 2005

Bagnanti



Tela:Giorgio De Chirico

Inicial



O dia não é hora por hora.
É dor por dor,
o tempo não se dobra,
não se gasta,
mar, diz o mar,
sem trégua,
terra, diz a terra,
o homem espera.
E só
seu sino
está ali entre os outros
guardando em seu vazio
um silêncio implacável
que se repartirá
quando levante sua língua de metal
onda após onda.

De tantas coisas que tive,
andando de joelhos pelo mundo,
aqui, despido,
não tenho mais que o duro meio-dia
do mar, e um sino.

Eles me dão sua voz para sofrer
e sua advertência para deter-me.
Isto acontece para todo o mundo,
continua o espaço.

E vive o mar.

Existem os sinos.

Pablo Neruda

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sábado, setembro 03, 2005

Pôr do sol



Foto:Wind

Floriram por engano as rosas bravas



Floriram por engano as rosas bravas
No Inverno: veio o vento desfolhá-las...
Em que cismas, meu bem? Porque me calas
As vozes com que há pouco me enganavas?

Castelos doidos! Tão cedo caístes!...
Onde vamos, alheio o pensamento,
De mãos dadas? Teus olhos, que num momento
Perscrutaram nos meus, como vão tristes!

E sobre nós cai nupcial a neve,
Surda, em triunfo, pétalas, de leve
Juncando o chão, na acrópole de gelos...

Em redor do teu vulto é como um véu!
Quem as esparze --- quanta flor! --- do céu,
Sobre nós dois, sobre os nossos cabelos?

Camilo Pessanha

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sexta-feira, setembro 02, 2005

Bilhete



Se tu me amas,
ama-me baixinho.

Não o grites de cima dos telhados,
deixa em paz os passarinhos.

Deixa em paz a mim!

Se me queres,
enfim,

.....tem de ser bem devagarinho,
.....amada,

.....que a vida é breve,
.....e o amor
.....mais breve ainda

Mário Quintana

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quinta-feira, setembro 01, 2005

Não o quero, amada.



Não o quero, amada.
Para que nada nos prenda
para que não nos una nada.
Nem a palavra que perfumou tua boca
nem o que não disseram as palavras.
Nem a festa de amor que não tivemos
nem teus soluços junto à janela...

Pablo Neruda

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Mulher mais



Mulher imensa
Vagina secular

Orgia
Bacanal
Gargalhada solta
em carnaval

Mulher sem direcção
direita ao espanto.

Manuela Amaral

Tela:Jean Tabaud