quinta-feira, janeiro 20, 2005

Márcia Maia



peregrinação

uma palavra

que diga de dor sem doer
de fogo sem queimar
de amor
sem dizer absolutamente
nada.

uma palavra-nada
oca inútil vazia

uma anti-palavra

(a que preciso)

: onde encontrá-la?

segredo

quando eu morrer
não chores
nem te debruces sentido
sobre o que não foi.
sente apenas a ausência do meu amor
como um arrepio
te roubar o meu perfume
e embaçar a minha face
qual filme antigo que perde a cor.

ternura

não são teus olhos
ou os traços do teu rosto
que me encantam
mas a luz que os ilumina
quando me olhas
que atenua as rugas
em meu rosto
e me devolve a doçura
que eu tinha
e se perdeu no avesso
dos espelhos.


Preparativos de viagem

Abriu o vinho, cortou o pão, o queijo, arrumou os copos e a faca na bandeja. Nua, foi até ele. Que, como sempre, perguntou para que tanta frescura. Não respondeu. Enfiou-lhe a faca à esquerda do esterno. Até o cabo. Repetiu o movimento. Ele ficou imóvel, grito parado na boca aberta. Depois, lavou a faca. Guardou-a no estojo de jacarandá. Vestiu-se de seda preta. Checou o dinheiro e a passagem. E, antes de partir para uma vida nova, comeu o queijo e bebeu o vinho. Afinal, de sua casa ninguém jamais saíra com fome. Não haveria de ser a primeira.

Mudança de ventos

Tábua de marés

Selecção de poemas e prosa – Wind e Lique

Sem comentários: